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filocriatividade | #filocri

filosofia para/com crianças | formação (CCPFC) | cafés filosóficos | mediação cultural e filosófica | clubes de leitura | filosofia, literatura e infância

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02 de Novembro, 2016

Tomás Magalhães Carneiro: "A pergunta é apenas a porta de entrada de um processo que a criança quer saborear e vivenciar."

joana rita sousa

 

Conheci o Tomás há já alguns anos, num encontro sobre filosofia aplicada. Sou fã assumida do seu trabalho, pelo rigor que o norteia e a capacidade para provocar o pensamento - junto de crianças e adultos. O Tomás não só está a trabalhar a filosofia em contexto escolar, como promove cafés filosóficos na zona do Porto. Conta com mais de trezentos. É muita cafeína e muita pergunta. São muitos momentos de prática do "parar para pensar". Não podia deixar de desafiar o Tomás para este "pergunta e resposta". Aqui fica a nossa conversa, "facilitada" pelas tecnologias que permitem a nossa troca de ideias, à distância. 

 

Nota: o Tomás utiliza a expressão filosofia com crianças (fcc).  Eu mantenho a expressão original, de Lipman, filosofia para crianças (fpc). 

 

*

 

Tomás, lembras-te da primeira vez que ouviste falar de filosofia para crianças? "Olá ;) Sim, foi em 2000 ou 2001 na secretaria da FLUP quando me aconselharam a frequentar um curso de Filosofia com Crianças. Na altura recusei e lembro-me do meu comentário sarcástico: “Filosofia com Crianças? As crianças têm é de brincar.” Na altura ainda não me tinha libertado daquela irritante concepção académica, sobranceira e séria de Filosofia. Ainda não tinha percebido que é divertido fazer Filosofia.

E como foram os primeiros passos, "a sério", nesta área? "Em 2007 comecei a dar um curso de Pensamento Crítico para Jovens num centro de estudos no Porto, a Studiosus. Foi ao lidar com as dificuldades de pôr um grupo de crianças a pensar que me fui dando conta de que a minha abordagem era demasiado redutora no sentido em que para trabalhar o “pensar bem” não era suficiente trabalhar apenas uma “técnica” de pensamento crítico (análise e avaliação de argumentos) e que era necessário algo mais. Era preciso um trabalho sobre as atitudes, ou as virtudes do saber pensar (capacidade de ouvir o outro, de mudar de opinião, humildade para reconhecer o erro, etc.). Também me fui apercebendo que a melhor forma de cultivarmos essas virtudes passava pelo diálogo com os outros. Este necessidade do outro no meu próprio pensar filosófico era algo completamente estranho para mim. Via o pensar como uma actividade solitária, isolada e séria. Tudo o que não considero hoje ser a Filosofia.

Acho que vais responder SIM, mas pergunto para poder ouvir (ler) a tua resposta: consideras que a fpc é necessária para as crianças? Porquê?

"Sim, sem dúvida. A FcC é necessária por aquilo que disse em cima, mas também pelo espaço de liberdade que cria na escola e na sala de aula. Gosto da expressão, que fui buscar a outro lado (às artes) de que “a Filosofia dá poder às crianças”. Isto porque numa sessão de FcC os alunos aprendem que a sua voz conta, que a sua opinião não vale em si mesmo, mas vale tanto mais quanto mais se esforçarem por lhe dar força e consistência. A Filosofia quando feita em Diálogo, como fazemos na FcC , torna-nos, ao mesmo tempo, poderosos e humildes. Poderosos pois nos habitua a agir e decidir de acordo com a razão, e humildes pois de forma muito natural nos vai revelando aos poucos a dimensão da nossa ignorância face à dimensão dos problemas que nos ocupam e da variedade de pontos de vista com sentido em torno desses mesmos problemas."

 

Há um grande debate em torno da escola, das actividades que as crianças têm - durante e depois da escola. Por que havemos de levar a filosofia para as escolas?  "Por que é lá que ela deve estar. Ao lado das expressão artística e dramática, da educação física, do desporto, da literatura, da matemática, da história, etc. A Filosofia deve fazer parte de um currículo abrangente e variado. Em relação às outras disciplinas a Filosofia traz algo de novo. Permite uma abordagem ao saber democrática e igualitária. Democrática no sentido em que permite uma participação activa de todos na construção do saber. Igualitária pois todos os alunos podem contribuir igualmente para essa construção independentemente do nível do seu desenvolvimento noutras disciplinas curriculares. Numa sessão de FcC mais que aquilo que sabemos importa a vontade que temos em descobrir alguma coisa com os nossos colegas. Num certo sentido uma sessão de FcC começa sempre do zero, o que para alguns alunos poderá representar a possibilidade de um novo começo."

 

Uma pergunta que me persegue há muito: o que faz com que uma pergunta seja uma questão filosófica – do ponto de vista da fpc? "Essa é uma boa questão filosófica. Apetece-me devolver-te a pergunta." Tomás, prometo responder-te! Mas continua lá a tua resposta: "Acho que, no que à FcC diz respeito, sobretudo com os mais pequeninos, mais importante que saber se uma questão é ou não filosófica, é saber o que faz com que uma questão prenda a atenção das crianças e, em seguida, que procurem responder-lhe de forma filosófica, ou seja, respeitando as regras do jogo filosófico. Por vezes questões empíricas podem dar lugar a excelentes diálogos filosóficos. Questões acerca da origem da vida, ou da existência de extra-terrestres por exemplo, terão resposta nas ciências mas as crianças, não tendo acesso a essas respostas, podem abordá-las de uma forma filosófica, ou seja especulando, avançando hipóteses e razões, dando exemplos e contra-exemplos, fazendo mais perguntas sobre essas perguntas. As crianças estão na mesma situação que primeiros filósofos. Sabem muito pouco e querem muito saber muito."

 

Para ti, quais são os maiores desafios que a fpc enfrenta, nos nossos dias? "Reconhecimento por parte dos nossos colegas de outras disciplinas (inclusive da disciplina de Filosofia no secundário) da possibilidade e necessidade de se fazer filosofia desde muito cedo."

 

Que conselhos podes dar aos professores e aos pais para os ajudar a lidar com as perguntas das crianças? "O meu conselho é que entendam as perguntas das crianças como pedidos de diálogo e não de explicações. A pergunta é apenas a porta de entrada de um processo que a criança quer saborear e vivenciar. O início de uma busca, de uma aventura. Se damos logo à criança a resposta, muitas vezes apenas a nossa resposta, ela perde imediatamente o interesse e isso vê-se nos seus olhos."

 

Alguma vez foste surpreendido com uma pergunta de um criança? Podes partilhar connosco que pergunta foi essa? "Não me estou a lembrar de nenhuma. São tantas... Mas o que mais me surpreende é a forma como as crianças são generosas ao aceitarem e trabalharem sobre as perguntas dos seus amigos. Quando penso num exercício e depois o aplico em aula, por muito que me esforce encontrar um problema, por limar uma pergunta e encontrar a sua formulação ideal nunca consigo fazer perguntas tão boas, tão bem aceites e que funcionem tão bem como quando são os próprios alunos a fazê-las. Entre as crianças há um compromisso com a investigação filosófica, com o próprio processo de diálogo e de procura de conhecimento que é difícil para um professor recriar e, além disso, é muito raro encontrar entre os adultos, mais preocupados com a gestão de egos que com a investigação descomprometida. Num diálogo entre crianças as perguntas servem muitas vezes de pretexto para, a partir daí, pensarem livremente umas com as outras. Mas para não fugir totalmente à tua pergunta, deixo um link para um pequeno apanhado de questões filosóficas que têm surgido em diálogos quer com crianças quer com adultos." Visitem AQUI

 

Obrigada, Tomás! Até breve! 

 

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notas:

as expressões a bold são da minha responsabilidade  

fpc = filosofia para crianças

fcc = filosofia com crianças