sobre a empatia cognitiva
no livro Know Thyself, de Mitchell S. Green há um capítulo dedicado ao auto-engano (self-misleading), empatia e humildade. confesso que este capítulo me chamou a atenção pela tríade apresentada e sobretudo por tratar de empatia.
assumo que tenho algumas questões com a palavra empatia, por considerar que na maioria das vezes se traduz numa simpatia forçada e pouco honesta. é um viés assumido e que me faz rejeitar a palavra, por exemplo, quando tentam aplicá-la no contexto do diálogo filosófico.
porém, Green apresenta uma perspectiva relevante sobre a empatia e que me fez rever a forma como entendia o conceito e até me motivou a pesquisar mais sobre as raízes do termo, consultando a Stanford Encyclopedia of Philosophy, por exemplo.
o que é a empatia cognitiva?
(...) although we have spoken so far about empathizing with someone's affective situation, nothing in the concept rules out the possibility of empathizing with someone's epistemic situation. (p. 102)
a empatia cognitiva pode ajudar-nos a compreender as pessoas com quem discordamos ou cujo discurso cremos estar errado, evitando ser condescendente:
Such an attitude promotes tolerance with those with whom we differ. It also helps us to confront situations in which people might disagree on a matter in which neither one seems to have compeeling reason for preferring her view to that of the other. (p. 103)
a empatia cognitiva e o diálogo
no âmbito do diálogo filosófico parece-me bastante relevante atender ao exercício da empatia cognitiva, uma vez que ter em conta as alternativas que o nosso par contempla permite-nos imaginar o que pode ter conduzido a outra pessoa a chegar àquela ideia.
este exercício poderá levar-nos a adoptar a ideia da outra pessoa? talvez. Green diz-nos que ainda que isso possa não acontecer, é provável que, ao exercitar a empatia cognitiva, nos tornemos pessoas menos dogmáticas relativamente ao nosso próprio ponto de vista e mais capazes de ver o mesmo através de um olhar diferente.
em suma, a empatia não se limita a ser um acto de imaginação da situação emocional da outra pessoas, mas também da sua situação epistémica. praticar a empatia cognitiva abre caminho para que possamos ver as nossas próprias limitações, a rever as nossas ideias e as nossas crenças. desta forma, traduz-se num exercício de humildade intelectual.
a empatia cognitiva e o desacordo
praticar a empatia cognitiva num ambiente de diálogo no qual surgem posições opostas ou ideias que discordam entre si permite que o diálogo posso acontecer. por diálogo entenda-se um tempo e um espaço onde as pessoas se juntam para criar algo novo juntos (David Bohm, On Dialogue, p. 3).
este tipo de diálogo exige que as pessoas intervenientes estejam disponíveis para se escutarem umas às outras e manifestem um interesse genuíno na verdade e na coerência, de tal forma que poderá exigir que se abandonem as ideias próprias para pensar algo distinto e pensar o que até então era para si impensável.
o desacordo faz parte do processo de diálogo: cada uma das pessoas que dialoga transporta uma forma de ver e perceber o mundo, os seus pressupostos, os seus enviesamentos, as suas crenças. é natural que nem sempre essa visão ou percepção do mundo coincida entre as pessoas intervenientes.
no contexto do diálogo, parece-me importante esperar o desacordo (sem o forçar necessariamente), estar disponível para que aconteça e ver esse momento como uma possibilidade de exercício da empatia cognitiva.
referências:
📚 Green, Mitchell S., (2018) Know Thyself, Routledge: Londres / Nova Iorque
📚 Bohm, D., (2014) On Dialogue, Routledge: Londres / Nova Iorque