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13 de Fevereiro, 2025

O ímpeto por ser original em Filosofia

- Vitor Lima, INÉF

joana rita sousa / filocriatividade

 

"É comum o hábito de explicar o mundo pela ótica do que já disseram. Não é possível levantar uma hipótese original, longe de pensamentos estabelecidos?" Essa pode ser a questão de quem quer aprender a pensar por conta própria, com o auxílio da Filosofia. Geralmente, o ímpeto por ser original guia os amantes do saber. Eu, no entanto, tenho dúvidas em entender a originalidade tão ansiada. Não sei que pensamentos seriam originais a ponto de não serem influenciados, em algum grau, pelo que já disseram.

Um dos valores em que acredito é o da honestidade intelectual. E eu costumo explicá-la assim:

1. Explicitar os próprios valores e posicionamentos, já que ninguém é ausente de valores e posicionamentos - eles existem ainda que deles não tenhamos consciência.

2. Não deturpar visões alheias a nossos valores e posicionamentos.

Me interessa o ponto 1 aqui.

A condição humana - já que somos tanto seres biológicos, quanto culturais - é esta: somos constituídos não só pelo genoma que herdamos, mas pelos valores e práticas que aprendemos.

Para utilizar o jargão filosófico, todos nós aprendemos concepções metafísicas, epistemológicas, éticas e existenciais, desde o momento em que nascemos até o momento em que morremos. Isso equivale a dizer que todos nós temos respostas -- ainda que não saibamos formulá-las com clareza -- para estas perguntas:

- Do que a realidade é constituída?

- Até onde posso conhecer a realidade?

- Como devo me comportar perante os outros?

- Como devo conduzir a minha vida?

A evidência de respostas a essas perguntas são frases cotidianas que repetimos o tempo inteiro.

"Tudo acontece por uma razão" - eis uma tese metafísica, porque estabelece algo sobre a estrutura mais básica da realidade. Quando afirmamos isso, o que queremos dizer é que existe um princípio que perpassa a totalidade das coisas e que regula tudo o que é há.

"Ninguém é dono da verdade" - eis uma tese epistemológica, porque afirma algo sobre os limites do conhecimento humano. Ao defender essa posição, a intenção é dizer que a cognição humana não pode alcançar conhecimento incontestável e, portanto, precisa estabelecer sempre uma margem para revisão.

"Isso não é coisa que se faça com uma pessoa" - eis uma tese ética, porque advoga uma postura correta, contra uma postura errada, com o intuito de reprovar moralmente quem cometeu a última. Pressupõe um critério, segundo o qual é possível avaliar quem age bem e quem age mal.

"O que importa mesmo para mim é minha família" - eis uma tese existencial, dado que elege um parâmetro de condução da própria vida que guia todos os outros. Entre vários critérios - Deus, pátria, revolução etc. -, quem repete isso prefere os seus parentes, caso precise escolher o que guia absolutamente suas escolhas de vida.

O que isso tudo indica? Indica que nós, ainda que nunca tenhamos ouvido jargão filosófico algum, abraçamos teses filosóficas, ainda que inconscientemente.

Nesse sentido, faz parte do cultivo da honestidade intelectual, antes de querer ser original, querer saber o que forma o seu pensamento. Antes de querer descobrir a próxima ideia genial, já é trabalho suficiente apenas buscar saber como o pensamento que você tem se formou:

- Quem o formulou?

- Como ele é defendido e atacado?

- Ele faz tanto sentido quanto eu penso que faz?

Acreditar em originalidade como algo que possa começar do zero, do modo como eu vejo, é simplesmente ignorar que somos seres culturais e que nenhum valor ou posicionamento que temos começa em nós mesmos - já está aqui há tempos e, provavelmente, continuará depois de nossa morte.

Enquanto você foca mais em originalidade que em honestidade intelectual, corre um sério risco: não é você que tem o pensamento, é o pensamento que tem você.

 

Para acompanhar esta e outras reflexões do professor Vitor Lima, conheça a escola INÉF (Isto Não É Filosofia).