"joana, estamos sozinhos!"
contexto: uma oficina de filosofia no jardim de infância, na sala dos 4 / 5 anos. tratava-se de um trabalho de continuidade e o grupo já me conhecia. a educadora preparava um cantinho muito confortável para a filosofia, com almofadas em roda e uma manta. por vezes a educadora e a auxiliar juntavam-se na roda, outras vezes não. porém, estavam sempre na sala, pelo menos uma delas ficava sempre connosco para dar apoio e para acompanhar os trabalhos.
numa das minhas visitas habituais, a meio da oficina, a educadora fez-me sinal e saiu da sala para ir tratar de um assunto. a auxiliar ficou connosco. a dado momento alguém bateu à porta e a auxiliar foi ver do que se tratava. quando abriu a porta deixámos de a ver. a auxiliar saiu do nosso campo de visão.
perante este cenário, um dos pimpolhos olhou em volta, arregalou os olhos e disse meio a sussurrar: "joana, joana! estamos sozinhos".
o que senti? foi como se eu fosse "uma das crianças", uma das pessoas do grupo de crianças e não um adulto que orienta, toma conta e faz o seu papel (como a educadora ou a auxiliar).
"joana, estamos sozinhos!" - joana, não há nenhum adulto para tomar conta de nós. temos de tomar conta de nós sozinhos. a sala ficou só com crianças.
e eu fiquei surpreendida com esta fala da criança e, ao mesmo tempo, orgulhosa. para mim este momento é uma espécie de medalha, de momento assinalável. aquela criança reconheceu-me como alguém que não faz uso da hierarquia e está ali, tal como as crianças, disposta a conhecer o mundo, a fazer perguntas e a arriscar respostas. é esse o ambiente que procuro criar numa comunidade de investigação filosófica, de que cada um de nós se encontra disponível a praticar o espanto, a investigar, a errar, a arriscar, a pensar - em conjunto.