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filosofia para/com crianças e jovens | mediação cultural e filosófica | #ClubeDePerguntas | #LivrosPerguntadores | perguntologia | filosofia, literatura e infância

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15 de Dezembro, 2022

guia breve para o diálogo filosófico em sala de aula (*)

joana rita sousa / filocriatividade

 

kenny-eliason-zFSo6bnZJTw-unsplash.jpgKenny Eliason on Unsplash

O diálogo em sala de aula é um exercício colectivo que consiste em aprofundar uma determinada questão em comum, propondo respostas em forma de hipótese, desenvolvendo essas respostas, modificando-as através de um conjunto de perguntas pertinentes e comparando essas diferentes respostas com o fim de extrair as consequências principais do confronto entre as distintas hipóteses.

O trabalho que os alunos deverão desenvolver fundamenta-se nos seguintes pontos: 

📍 aprofundar uma determinada questão;
📍 conceber uma série de ideias;
📍 articulá-las com clareza e precisão,
📍 fazer perguntas complementares e respondê-las;
📍 ouvir o outro;
📍 verificar a presença de uma relação lógica ou conceitual entre as ideias e,
📍 finalmente, sintetizar ou analisar o resultado global do trabalho.

Seguem-se alguns elementos procedimentais que podem ajudar a estimular o diálogo.

 

I – Promover a escuta.

Levantar a mão para pedir para falar. Isso permitirá que o/a professor/a distribua a palavra e não fale sempre a mesma pessoa, para que se ouçam as palavras das mais tímidas e lentas. Nesta linha, há que procurar dar a palavra a quem ainda não interveio, para garantir a participação de todas as pessoas, em particular das que têm mais dificuldade.

Não levantar a mão enquanto alguém está a falar. Desta forma, evita que a sua mente se ocupe com o que vai ser dito em vez de ouvir quem está a falar. Isto deverá ser complementado com o convite frequente do/a professor/a para levantar a mão assim que o aluno terminar de falar.

Trabalhe a clareza e a concisão. Diante de uma resposta longa e confusa, é pertinente solicitar um trabalho de síntese e clareza. Neste procedimento ganha quem faz esse exercício e os demais recebem ideias claras sobre as quais construir outras.

Peça para repetir a ideia da pessoas que estava a falar. O/a professor/a pode contribuir para que o que a/o aluna/o disse seja compreendida/o por todos os participantes do grupo, através do exercício de verificação da transmissão da informação, perguntando aos demais o que entenderam e, se necessário, propondo ao remetente que esclareça.

É comum um aluno reagir fortemente a uma ideia com a observação "não gosto”, a ponto de nem mesmo a querer ouvir. Quando o professor detecta essa reação muito carregada de emoção, pode pedir à/ao aluna/o que reformule a ideia que quer criticar. Isso fará com que percebea se foi capaz de ouvir a ideia ou se apenas deseja rejeitá-la. Pode pedir que use esta fórmula: "Não concordo com o José quando ele diz "...", porque...."

A fórmula também pode ser usada para “Concordo…” para oferecer um motivo diferente para apoiar essa ideia.

Falar apenas um de cada vez. Enquanto alguém fala, os outros ficarão em silêncio, aquele que intervém dirigir-se-á a todo o grupo (e não tanto à/ao professor/a), pois todos os presentes constituem o espaço de reflexão.

Não tenha expectativas sobre a resposta. Estaremos abertos a qualquer resposta, caso contrário não ouviremos as palavras emitidas, mas sim as que gostaríamos de ouvir.

 

II – Promover a diferenciação e a criação de ideias.

Peça ideias diferentes. Quando já tiver uma série de ideias, peça à pessoa que pode contribuir com uma nova ideia para falar.

Apontar ideias repetidas. O/a professor/a perguntará ao grupo se a ideia recém-contribuída é nova ou se já foi apresentada anteriormente. Verifique se realmente não adiciona nada de novo.

Convide os alunos a fazerem perguntas. A pergunta surge do espanto, do mal-entendido ou do espírito crítico. O/a professor/a não deve ser o único a formular perguntas.

Redirecione o diálogo. A criação de ideias também deve ser relevante e focada no assunto. Se o diálogo se perder ou divagar, é necessário reorientar. Para isso podemos perguntar se alguém pode fazer um resumo das ideias mais importantes discutidas até aquele momento.

Se as intervenções não têm ligação entre si, se estamos apenas a presenciar uma justaposição de exposições, há que procurar a relação entre as ideias, sejam elas afinadas ou contraditórias.

Mudar de opinião. Apoiar a mudança de opinião articulando o motivo pelo qual isso aconteceu permite-nos entender que o nosso pensamento pode ser flexível e seguir a razão.

 

III – Promover o espírito crítico.

O hábito de dar razões. Oferecer razões nas respostas deve ser uma constante, é assim que tornamos visíveis crenças latentes, ideias que operam no nosso modo de viver, sem que estejamos plenamente conscientes.

O hábito de problematizar. Qualquer ideia é susceptível de ser questionada, é deste modo que vemos a força ou a fragilidade das nossas ideias.

Diferencie posicionamento e argumento. É útil lidar com essa diferença para avaliar uma resposta. A resposta a uma pergunta fechada terá que conter uma posição (sim ou não), mas também terá que apresentar um argumento que será a razão que sustenta aquela posição. Numa uma pergunta aberta, começamos a responder com uma hipótese (que serve de posição) que será ilustrada com outras ideias (argumentos) que a sustentam e mostram sua validade.

Diferencie a crítica interna da crítica externa. Crítica interna consiste em verificar a clareza, a pertinência, a coerência... da própria resposta e também a sua pertinência em relação à pergunta. Crítica Externa consiste em questionar os pressupostos que fundamentam a resposta ou a objecção a ideias de uma outra perspectiva, de um outro sistema de valores ou de um outro paradigma de pensamento.

Pense em dilemas. Frequentemente a realidade apresenta-nos situações nas quais os valores que gostaríamos de respeitar se sobrepõem ou se contradizem. Precisamos discriminar as razões para tomar uma decisão. Diante de um dilema, a nossa capacidade reflexiva e a nossa paciência para lidar com questões problemáticas são colocadas à prova.

 

IV – Promover atitudes favoráveis ​​ao pensamento.

Perder o medo do erro ou da incapacidade. A pergunta é sempre um desafio e é assim que deve ser colocada, não como algo que deva ter uma resposta garantida. Mesmo para o/a professor/a,  o facto de não ter a resposta nada mais é do que um momento no qual o pensamento começa e que dará frutos em tempo próprio, talvez não imediatamente.

Interessar-se pelos outros participantes e pelas suas ideias. Preste atenção às ideias que são novas ou mesmo estranhas, evitando descartá-las sem as examinar primeiro.  A melhor forma de respeito não é simplesmente aceitar as ideias do outro, mas sim dialogar com essas ideias.

Ter consciênciadas emoções. Tornar-se observador das próprias reacções, das emoções que o facto de ter que falar e expressar ideias ou ouvir as dos outros nos desperta. A consciência é, em si, um regulador das emoções.

A colaboração. O diálogo não é uma luta de ideias ou um momento "para ver quem consegue mais". O diálogo é uma investigação sobre uma questão. Certas funções podem ser delegadas a alguns alunos (de forma rotativa) por exemplo o "detector de não resposta" (dito de forma bem-humorada sobre as respostas que se desviam de modo evidente daquilo que é perguntado). Ou o "detector de objecções que não objecta" (quando queremos contradizer uma ideia, mas aquilo que apresentamos não funciona como uma contraposição).

 

V – Limites práticos do diálogo

O consenso. Registadas as divergências e não havendo unanimidade, o voto maioritário poderá ser utilizado para decidir sobre a conclusão a ser oferecida.

A melhor hipótese. Devemos aceitar qualquer hipótese que tenhamos até termos uma melhor, a menos que possamos mostrar que não faz sentido.

O valor da palavra. Tomamos a palavra de quem expõe a ideia na medida em que essa palavra é emitida. Se, diante da reação de seus colegas, o orador considerar que pode melhorar o seu discurso, a melhoria será bem-vinda. A clareza das ideias é transposta para a clareza da palavra.

 

VI – Promover a consciência sobre aquilo que foi aprendido

Avaliar o trabalho de pensamento realizado antes da conclusão.

Sintetizar as ideias que surgiram.

Tirar conclusões.

Avaliar o que aconteceu: se houve problemas na discussão e se foram resolvidos.

Fazer uma lista daquilo que foi aprendido.



 

(*) texto original: GUÍA BREVE PARA EL DIÁLOGO FILOSÓFICO EN CLASE, Oscar Brenifier e Mercedes García Márquez, Fevereiro 2020 (publicado no blog Taller de Prácticas Filosóficas) - tradução de Joana Rita Sousa (Dezembro 2022)