dar um passo em frente perante o abismo
"Vá lá, então."
"Dá lá a resposta."
"Diz qualquer coisa, tu sabes."
"Vá, estamos à espera."
Estas são algumas das expressões que oiço quando estou a fazer oficinas de filosofia com crianças ou jovens. Oiço estas expressões da parte de alguns professores e de algumas professoras que, desta forma, apressam as crianças para dizer alguma coisa. Note-se que não oiço sempre, em todas as oficinas. Ainda assim, gostaria de pensar um pouco sobre estas atitudes e expressões e de como podem ser um obstáculo à escuta.
[Escutamos verdadeiramente?]
As oficinas de filosofia e de diálogo assentam num compromisso para pensar e investigar alguma coisa em conjunto. As oficinas vivem do pensamento colaborativo e assentam na prática da escuta. Escutar parece ser algo banal, de todos os dias. Será que prestamos atenção a essa escuta?
Nas oficinas procuro modelar uma atitude de escuta e de atenção às palavras de cada pessoa que participa. Porém, não falamos o tempo todo, pelo que essa atenção também deve cuidar do silêncio e do tempo que cada pessoa precisa para pensar. Cada pessoa terá o seu ritmo de pensamento e, como estas oficinas não são um concurso televisivo onde há 30 segundos para responder, é preciso respeitar esse ritmo de pensamento. Há quem pense em voz alta e comece a arriscar o pensamento com palavras; há quem pense em silêncio.
[Como praticar a escuta?]
É difícil explicar como praticar a escuta. Começo por dizer: fale menos e escute mais. Mas depois o aluno diz coisas de forma atabalhoada e queremos corrrigir. Ou não alinhou bem o tempo da frase. Ah, pior, está a dizer uma coisa errada. Ou então está a demorar muito a dar a resposta. Quando damos conta estamos a interromper ou falar por cima ou até a apressar uma resposta por parte do aluno ou da aluna.
O risco de deixarmos a criança falar sem interromper traduz-se em abdicar de tempo que poderia ser preenchido com outras coisas que o/a professor/a considera importante.
Numa oficina de filosofia a vez e a voz é distribuída o mais possível por todas as pessoas que decidem participar. Uma das primeiras atitudes que menciono como fundamental para o desenvolvimento das oficinas é não ter pressa. Dito de outra forma, dar tempo para que o pensamento aconteça.
Defendo que as pessoas adultas na sala devem procurar modelar a escuta. Isso implicar estar perante uma espécie de abismo (o tempo do silêncio de que a criança precisa para pensar e depois falar) e dar um passo em frente.
Numa oficina de filosofia surgem perguntas, respostas, ideias inesperadas. Procuramos pensar as coisas pela primeira vez, num exercício de espanto. A incerteza faz parte deste processo de resolução da opacidade (António de Castro Caeiro).