Conhece-te a ti mesmo
📷 Gabriella Clare Marino / Unsplash
DA INÚTIL SABEDORIA
“Conhece-te a ti mesmo”. Dessa agora,
O alcance não adivinho.
Muito mais útil nos fora
Conhecer nosso vizinho...
QUINTANA, Mario
A frase “Conhece-te a ti mesmo” é uma tradução do dito grego
Γ Ν Ω Θ Ι Σ Α Υ Τ Ο Ν (gnôthi seautón)
Essas palavras foram, segundo se conta, esculpidas em pedra na entrada do templo de Apolo em Delfos, na Grécia Antiga. Este templo data pelo menos do século VIII a.C., e esteve no auge de sua influência entre os séculos VI e IV a.C. O ditado é apenas um dos mais de 100 que eram visíveis em várias partes da construção. Entre os outros, estavam “Rejeite assassinato”, “Coroe seus ancestrais” e “Controle o olho”.
No entanto, a injunção para o autoconhecimento é provavelmente a mais famosa. Isso se deve em parte à associação com Sócrates e seu aluno Platão. No entanto, não está claro que tipo de conhecimento esse conselho nos incita a adquirir, ou como adquiri-lo.
Há sempre um risco de que esse preceito possa ser superestimado. Afinal, há muitas coisas interessantes para saber. Por que o conhecimento de nós mesmos deve ser destacado como especial? E mesmo que o autoconhecimento seja importante ou especial, cada um de nós já não sabe o suficiente sobre si mesmo?
Platão coloca na boca de Sócrates, em sua Apologia, a seguinte frase “a vida não examinada não vale a pena ser vivida”. A partir de então, inaugura-se um dos modelos mais célebres da História da Filosofia de como conduzir a própria existência.
Porém, e os outros estilos de vida?
- Atenuar o sofrimento alheio (caridade)
- Descobrir novas tecnologias (ciência)
- Engajar-se para mudar a sociedade (política)
Se eles não se dedicarem ao autoexame, então não valem a pena?
Se respondermos que não valem, então soamos elitistas, o que é indesejável. Para responder melhor à questão, precisamos descobrir o que realmente quer dizer a vida autoexaminada.
De acordo com Richard Kraut, professor de Ciências Humanas na Northwestern University nos Estados Unidos, o preceito socrático pode ser interpretado assim: “A vida não examinada não é para ser vivida”.
Para entender a diferença entre “não vale a pena” e “não é para”, veja esta outra frase: “A vida não amada não é para ser vivida”. Como interpretá-la? A vida sem amor não é para ser vivida, no sentido de que viver sem amar ao menos uma vez é viver de modo não pleno. É como se, ausente o amor, houvesse um buraco na vida a ser preenchido. Sem amar, a vida não é desfrutada em sua plenitude, embora se possa viver sem amar. De modo similar, a vida sem autoexame não é para ser vivida, porque sem autoexame há um buraco a ser preenchido.
A vida examinada é a arte de tapar buracos existenciais, seja lá em que atividade for, não apenas a atividade filosófica.
Vitor Lima (professor de filosofia e co-fundador da escola INÉF - Isto Não é Filosofia)