"a minha verdade"
[não contamos as histórias de forma neutra ou isenta]
Tenho acompanhado semanalmente o podcast isso não se diz do Bruno Nogueira, disponível em várias plataformas como o spotify.
Aviso que o podcast contém impropérios; ainda assim, recomendo a escuta do ep. 38 a partir do minuto 23. Bruno Nogueira disserta em voz alta sobre a forma enviesada como habitualmente contamos episódios nos quais somos personagens e também sobre a nossa tendência para tomar partido de alguém sem escutar o outro lado da história.
[José Palma sublinha: não há dois tipos de pessoas, somos os dois tipos de pessoas]
Num episódio Pergunta Simples, Jorge Correia conversa com José Palma sobre falácias, enviesamentos e o modo como o ser humano compreende o mundo. A dado momento, Palma sublinha que cada pessoa "tenta de uma maneira activa confirmar a sua visão do mundo".
Relacionando com aquilo que diz Bruno Nogueira é importante ter a consciência de que os óculos com os quais vemos o mundo estão muito mais sintonizados com a busca de confirmação daquilo que pensamos:
"Todos vocês que estão a ouvir isto, o que é que fazem? Só dão importância aos casos que confirmam aquilo que pensam."
Ora se oiço alguém a partilhar uma história, assumindo o seu ponto de vista, é natural que essa pessoa esteja a pintar a história de modo a confirmar a sua ideia de que a pessoa X é manipuladora ou uma amiga 5 estrelas. E a versão das outras pessoas, como será? Certamente estará ensopada dos seus próprios enviesamentos e heurísticas.
Outra ideia que me parece fundamental consiste em perceber que aquele discurso "há dois tipos de pessoas: as racionais e as emocionais" é falacioso. Em diferentes momentos ou contextos, somos racionais e emocionais. Nós somos os dois tipos de pessoas e isto também acontece sob o olhar dos outros: para a pessoa X eu sou profundamente organizada, para a pessoa Y eu sou muito caótica. A pessoa X e a pessoa Y olham o mundo com óculos distintos.
Não quero com isto dizer que não há verdade. Quero dizer que as percepções que cada pessoa têm da realidade não é neutra. Um grupo de quatro pessoas pode estar a presenciar a mesma realidade e dessa experiência acabam por sair quatro descrições diferentes. Talvez com pontos comuns, certamente com diferenças.
Tenho problemas sérios com a expressão "a minha verdade". Sugiro que utilizemos algo como "é desta forma que percepciono o mundo" ou "este é o meu ponto de vista". Mas que não sirva para fechar o diálogo ou suspender o processo de escuta quando nos deparamos com pontos de vista distintos.