a filosofia para/com crianças é uma causa justa?
- reflexão a partir do livro O Jogo Infinito, de Simon Sinek
No livro O Jogo Infinito, Simon Sinek propõe-nos a ideia de Causa Justa.
O que é a Causa Justa? "É sobre o futuro. Define para onde vamos. Descreve o mundo em que esperamos viver e em relação ao qual assumiremos o compromisso de o ajudar a construir." (p. 53)
A Causa Justa é algo que está em construção, o resultado dessa construção é desconhecido. Estas características permitem-nos realizar ajustes e melhorias no sentido de alcançarmos esse horizonte. Sinek dá como exemplo para Causa Justa o Cofre Global de Sementes de Svalbard (Noruega), uma ideia que radica na visão de Nikolai Vavilov, um homem que dedicou a sua vida à recolha e salvaguarda de um banco de sementes.
(...) em 2008, foi lançada a "Arca de Noé" das plantas. Uma instalação localizada em Svalbard, na Noruega, em pleno permafrost ártico, foi apelidada de "Doomsday Seed Bank" ("Banco de Sementes do Juízo Final", traduzindo à letra).
"(...) uma Causa Justa é uma visão específica de um estado futuro que ainda não existe. E para que uma Causa Justa dê um rumo ao nosso trabalho, para que nos motive ao sacrifíceio, e para que perdure, não só no presente, mas em tempos para lá do nosso, deve satisfazer cinco padrões", diz Sinek na p. 57. Ao ler estas palavras surgiu-me a ideia de olhar para a filosofia para/com crianças como uma Causa Justa. Será que cumpre com os critérios indicados pelo autor do livro O Jogo Infinito?
Vejamos que critérios são esses. Uma Causa Justa deve ser a favor de alguma coisa, deve ser inclusiva, deve ser orientada para servir, deve ser resiliente e idealista.
A filosofia para/com crianças é a favor de alguma coisa? Sim. Há um sentido afirmativo e optimista no programa que foi inicialmente proposto por Lipman e Sharp, ao defender que as crianças são capazes de pensar e agir filosoficamente no mundo e que o exercício de pensar com outras pessoas, em comunidade, permite um pensamento mais claro sobre o mundo que nos rodeia.
A filosofia para/com crianças é inclusiva? Sim. A filosofia para/com crianças inclui (diria, integra) as crianças no acto de filosofar. Até ser proposto um programa para crianças a partir dos 3 anos, estamos a abrir as portas da filosofia para as pessoas que até então não tinham acesso a elas: as crianças.
A filosofia para/com crianças é orientada para servir? Sim. Este movimento visa proporcionar às crianças um tempo e um espaço para dialogar e pensar em conjunto. Enquanto pessoa que se dedica ao trabalho de facilitar oficinas de filosofia, assumo a postura de quem pretende que as crianças possam beneficiar o melhor possível desse tempo e espaço em diálogo. Claro que eu também beneficio desse processo, pois tenho a oportunidade de exercitar o meu pensamento, de rever as minhas ideias, de pensar noutros pontos de vista e de escutar as crianças.
A filosofia para/com crianças é resiliente? Sim. O movimento tem cerca de 60 anos e tem resistido às mudanças e às crises. Ann Margaret Sharp relata que alguns dos projectos que encabeçava chegaram a ser perseguidos em escolas de índole mais conservadora.
A filosofia para/com crianças é idealista? Sim. A visão de Lipman e Sharp de estender a ideia de comunidade de investigação filosófica às salas de aula é, nas palavras de Sinek, grande, ousada e inantigível. Sabemos que a tarefa é gigantesca e que dificilmente a vamos alcançar.
Tenho de continuar a pensar nesta ideia da filosofia para/com crianças e jovens como uma Causa Justa, segundo o entendimento de Sinek. Irei voltar a esta reflexão.
O Jogo Infinito, de Simon Sinek, tradução de João Carlos Silva, Editora Lua de Papel