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filocriatividade | filosofia e criatividade

oficinas de filosofia e de criatividade, para crianças, jovens e adultos / formação para professores e educadores (CCPFC) / mediação da leitura e do diálogo / cafés filosóficos / #filocri

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12 de Abril, 2014

3º Congresso Internacional de Educação de Surdos

joana rita sousa
Realizou-se no passado dia 11 de Abril, na Casa Pia de Lisboa, o 3º Congresso Internacional de Educação de Surdos. O programa prometia diversidade de opiniões e de posturas perante alguns temas que são "polémicos" no âmbito da educação para surdos. Os implantes, o bilinguismo, a língua primeira, a língua natural, a língua materna... Para quem "entrou" recentemente neste mundo, é fácil perceber que, como em muitas matérias da actividade humana, o consenso é difícil de se alcançar.

 

A professora Isabel Correia, da Escola Superior de Educação de Coimbra apresentou-nos uma perspectiva muito inclusiva da educação. Em vez de pensarmos na inclusão como um caminho surdos -» ouvintes, podemos pensar no caminho inverso: ouvintes -» surdos. Esta questão parece-me muito pertinente; penso que seria possível que todas as crianças aprendessem Língua Gestual Portuguesa (LGP) na escola. Poderia ser uma oferta como o inglês ou o francês. Ou o mandarim!
Olhando à nossa volta, "tomando um banho de realidade", o que acontece é que há escolas onde as próprias crianças surdas não têm acesso à aprendizagem da LGP, tal como está contemplado na lei.

 

Joaquim Melro partilhou connosco alguns dados e números preocupantes relacionados com a educação dos surdos: em 2012, 80% dos surdos não tinham acesso à educação. E dos 20% que contrariam este número apenas 2% acede através da Língua Gestual.
É preocupante que muitos surdos, adultos, não sejam capazes de ler ou escrever em português - e por isso encontrem tantos obstáculos comunicacionais num mundo onde a língua gestual não é praticada pela maioria da população. Aliás, há um número considerável de surdos que não domina a língua gestual. Eu cresci com um surdo que, apesar de ter frequentado uma escola específica para surdos, há uns 30 anos, não domina a LGP. Acho que eu, a meio do nível II de LGP, domino melhor a língua do que ele. E a sua escrita/leitura do português é deficiente.
 

 

A tarde permitiu-nos conhecer alguns projectos muito interessantes, ao nível das artes, da expressão plástica e da aprendizagem da matemática no pré-escolar.
Felizmente realiza-se muito trabalho ao nível dos recursos que permitam a aprendizagem das mais variadas matérias, no jardim de infância, através da língua portuguesa e da língua gestual portuguesa. Uma estratégia win/win para crianças surdas e ouvintes, na minha modesta opinião.
O professor Carlos Santos referiu o método de Singapura, para o ensino da matemática, que inclui momentos de abstração e expressão ("oralidade") que vão ao encontro daquilo que, por exemplo, se defende ao nível da filosofia aplicada (para crianças). A criança escolhe X ou Y num dado exercício e é levada a JUSTIFICAR, a dizer o PORQUÊ daquela escolha e não de outra.

 

Houve lugar, ainda, a algumas posições sobre os implantes cocleares e a necessidade de aprendizagem de Língua Gestual Portuguesa desde o jardim de infância. De uma forma muito empírica, eis algumas das coisas que observo:
- falta de acesso das crianças à aprendizagem de LGP em sala de aula;
- ausência de sensibilização para com as famílias e amigos das crianças surdas para a aprendizagem de LGP e o seu uso na comunicação com a criança;
- corre-se o risco de criar aqui um terceiro termo, entre os surdos e os ouvintes, e que são os implantados. O implante deverá, quanto a mim, constituir uma opção consciente da família (infelizmente muitos gostariam de optar e não têm condições financeiras para tal) mas não deverá retirar a criança do seu processo de aprendizagem da LGP. Parece-me que o bilinguismo deverá ser uma realidade. Aliás, o multilinguismo - por exemplo, eu sei língua portuguesa, francês, inglês... tenho "umas luzes" de espanhol, de japonês e de sânscrito. E agora estou a aprender LGP. Parece-me natural que outras pessoas o façam;
- para além do terceiro termo, os implantados, cria-se um conceito estranho: o de surdo-ouvinte. Parece-me que uma criança, ainda que implantada, não deixa de ter a sua identidade como pessoa surda, apesar dos ganhos auditivos que o implante possa trazer.
Louva-se o trabalho de escolas como a ESEC, que tem, neste momento, uma oferta única para os alunos surdos: em todos os cursos há intérprete de LGP.
O aspecto MAIS POSITIVO foi mesmo o facto das associações, federações, escolas, pais considerarem de máxima importância construir pontes de diálogo, até para que se possa compreender as mudanças que se estão a preparar relativamente à lei 3/2008

No quadro da equidade educativa, o sistema e as práticas educativas devem assegurar a gestão da diversidade da qual decorrem diferentes tipos de estratégias que permitam responder às necessidades educativas dos alunos. Deste modo, a escola inclusiva pressupõe individualização e personalização

das estratégias educativas, enquanto método de prossecução do objectivo de promover competências universais que permitam a autonomia e o acesso à condução plena da cidadania por parte de todos.  

 

(...)

 

A educação das crianças e jovens surdos deve ser feita em ambientes bilingues que possibilitem o domínio da LGP, o domínio do português escrito e, eventualmente, falado, competindo à escola contribuir para o crescimento linguístico dos alunos surdos, para a adequação do processo de acesso ao currículo e para a inclusão escolar e social.

 

No meio destes encontros e desencontros, espero que a comunidade surda possa (re)pensar a sua própria identidade e cultura, defendendo a LGP como base essencial, a par da aprendizagem da língua portuguesa. Com prótese auditiva ou com implante - ou sem nada disso, o importante é que os surdos sejam capazes de comunicar, de debater, de dialogar sobre aquilo que é ser surdo. Acima de tudo, que possam assumir-se como pessoas plenas e que a surdez não seja uma condenação a uma vida com qualidade inferior e sem liberdade, sem a hipótese de considerar alternativas para o seu futuro.

 

 

 

A Liberdade é consolidada pela consciência de múltiplas  alternativas; Para cada opção no nosso quadro familiar, profissional, artístico, social, de cidadania, cada um de nós devia ser capaz de listar um conjunto de caminhos; temos de poder escolher para que a liberdade seja real, a liberdade não é um estado de consciência, um estado de alma - embora muitos discordem - a liberdade cresce quanto mais hipóteses conscientes e presentes de caminhos tivermos de trilhar, em cada momento da nossa vida e junto de cada grupo de contexto;

A consciência das alternativas depende da aprendizagem, do estudo, da investigação, que cada vez mais estão ao alcance de todos; aprender é hoje em dia a melhor evidência (resultado) da democracia; já quase tudo foi escrito e essas alternativas já foram pensadas, vividas, recusadas, escolhidas por outrém; não é a originalidade dos caminhos que fomenta a liberdade, é sim a consciência de que cada um pode listar um sem fim de alternativas; e mais, nem sequer importa, quando falhemos uma opção, porque na maioria dos casos, temos na vida muitas oportunidade de fazer e desfazer opções;

Depois mesmo que não as escolhamos, isso também não importa, porque nos apoderámos do processo, fomos nós que não quisermos seguir um caminho diferente, fizemos a escolha. E sempre que escolhemos somos donos de nós próprios.