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filocriatividade | #filocri

filosofia para/com crianças e jovens | mediação cultural e filosófica | #ClubeDePerguntas | #LivrosPerguntadores | perguntologia | filosofia, literatura e infância

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filosofia para/com crianças e jovens | mediação cultural e filosófica | #ClubeDePerguntas | #LivrosPerguntadores | perguntologia | filosofia, literatura e infância

01 de Junho, 2025

o que perguntam as crianças? que observações fazem?

- escutar as crianças nas oficinas #filocriatividade

joana rita sousa / filocriatividade

 

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Para assinalar o Dia Mundial da Criança, o Radar XS pediu-me algumas informações sobre as oficinas #filocriatividade, bem como algumas perguntas ou observações que as crianças e os jovens partilharam nessas mesmas oficinas.

 

o que são as oficinas #filocriatividade?

 

As oficinas #filocriatividade acontecem desde 2008 junto de crianças e jovens, do jardim-de-infância ao ensino secundário. O convite passa por criar um espaço e um tempo para parar, pensar em voz alta, escutar o pensamento das outras pessoas e dialogar.

 

Partimos de uma pergunta, de uma situação, de um texto, de um vídeo ou de outro recurso para dialogar filosoficamente. O diálogo funciona como um jogo com o qual as pessoas se comprometem a jogar. Como em todos os jogos, há regras e, neste caso, as pessoas que jogam também são convidadas a propor regras.

 

Podemos dialogar a partir de algo completamente quotidiano, como “És a favor ou contra da pizza com ananás?” ou a partir de algo quotidiano, mas um pouco mais profundo, a saber: “Se nós morremos, voltamos a nascer?”

 

Aquilo que acontece na oficina depende das propostas que levo comigo e também das sugestões das crianças. Em conjunto com crianças já criámos jogos como o Verdade ou Consequência da Filosofia, por exemplo. A partir do jogo que todos conhecem, adaptamos para a Filosofia.

 

 

sei que vou repetir-me, aqui vai: as crianças são seres pensantes

 

As crianças são seres pensantes e fazem uso da pergunta como chave para compreender o mundo.

As suas perguntas e observações são o reflexo da curiosidade perante aquilo que as rodeia, bem comoda forma como vão construindo ideias sobre o mundo.

Algumas pessoas adultas surpreendem-se muito com as perguntas e as observações das crianças talvez por pensarem que não têm idade para perguntar ou pensar sobre certas coisas.

 

Dialogar com crianças e jovens é uma boa forma de carregar a minha bateria de espanto. É um exercício de humildade e uma oportunidade para considerar as coisas de todos os dias sob outro ponto de vista.

 

Durante estes anos de diálogos fui registando muitas perguntas e observações que me convidam a parar para pensar. De 2008 até agora dinamizei cerca de 2100 oficinas, tendo trabalhado com cerca de 42000 crianças e jovens.

Partilho algumas perguntas e observações, convidando quem está aí desse lado a pensar a partir destas palavras.

 

  • Se nós morremos, voltamos a nascer?

  • Se eu não existir, não muda nada no mundo?

  • Se alguém aprende que 2+2= 5, como é que pode vir a saber que 2+2=4?

  • (Pergunta dirigida à morte) Porque é que matas tantas pessoas inocentes e deixas para trás os ladrões?

  • Todas as opiniões valem o mesmo?

  • Não é o cérebro que define a pessoa. Somos definidos pelo que está dentro de nós.

  • Discordar não é necessariamente algo mau, podemos aprender outros pontos de vista.

  • E se no futuro não houver futuro?

  • A tristeza faz de nós pessoas melhores. Não podemos ser sempre felizes, há altos e baixos.

  • Para que serve a guerra?

  • Para que serve a morte?

  • A morte serve para encorajar as pessoas a viver.

  • A morte serve para haver espaço para todas as pessoas viverem no Planeta Terra.

  • Como é que vamos saber se cada pessoa está a viver as emoções à sua

  • maneira?

  • Será que vamos todos falar a mesma língua?

  • As pessoas que votam, não sabem bem o que estão a fazer. Algumas sabem, outras não. Devia haver um teste para saber se temos informação para votar.

  • O que é a verdade?

  • Será que há alguma verdade absoluta com a qual toda a gente concorde?

  • O que leva uma opinião a parar de ser discutida?

  • O que nos leva a confiar na verdade de outra pessoa?

  • Como será viver num mundo sem regras?

  • Mas porque é que os números não acabam?

  • As perguntas servem para resolver problemas.

  • Como é que as opiniões dos outros nos influenciam?

  • Porque é que nós temos de ser pessoas e não podemos ser robots?

  • O que a vida quer de nós?

  • O que é que não é mercadoria?

  • De onde vêm as coisas?

  • Uma coisa é discordar da pizza levar ananás, outra é discordar que o ananás possa ser um ingrediente para a pizza.

 

Nota: as perguntas são registadas tal como são ditas, pelo que as frases podem não estar na sua versão gramatical perfeita.

 

As crianças tendem a dizer que a Filosofia é “uma maneira de ver as coisas”, “é uma coisa que está mal definida e temos de pensar melhor”, “é perguntas”, “é pensar pelo menos duas vezes antes de falar” e “é demorar muito tempo nas perguntas ou nos problemas”.

 

 

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01 de Junho, 2025

Dia Mundial da Criança

joana rita sousa / filocriatividade

filocriatividade.png

 

Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.  
(Artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, Adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990)

 

 

Hoje, dia 1 de Junho, celebra-se o Dia  Mundial da Criança. A este propósito, gostaria de trazer para a roda de conversa a Convenção sobre os Direitos das Crianças.

 

o diálogo, as opiniões e a liberdade de expressão das crianças

Gostaria de me dedicar aos artigos 12.º e 13.º que tratam do direito à opinião e à liberdade de expressão, respectivamente. Ambos os artigos conhecem relação directa com a prática da Filosofia para/com Crianças e Jovens, uma vez que esta assenta numa estrutura de diálogo.

 

Num diálogo as crianças são convidadas a dizer o que pensam sobre um determinado assunto. Não se trata aqui de verificar os conhecimentos que a criança tem sobre esse assunto, mas de a convidar em pensar em voz alta, na companhia de outras pessoas.

 

Para que este ambiente de diálogo seja respeitador da opinião da criança, é necessário que a pessoa adulta que está a dinamizar o diálogo tenha uma relação de igual para igual com as crianças.

 

Deve a pessoa adulta evitar expressões como “Ah, pois vocês não chegam lá.” ou “Ia dizer esta palavra, mas se calhar é demasiado para vocês.”

 

Recordo-me de uma situação na qual a professora titular da turma foi convidada a participar na proposta de geração de perguntas, tal como as crianças. Foi convidada a partilhar a sua pergunta e antes de o fazer disse: “Eu escrevi uma pergunta, mas vocês não conseguem acompanhar estas palavras.”

 

Sendo a pessoa em questão a professora titular da turma, não poderia ter escrito numa linguagem acessível às crianças com quem está todos os dias? Além disso, que problema há em partilhar com as crianças palavras que não conhecem? Não será uma oportunidade de ampliação de léxico? Não poderia a professora simplesmente ler a sua pergunta, confiando que o grupo iria perguntar pelas palavras que não conhece?

 

o óbvio é óbvio?

As oficinas que dinamizo têm-me proporcionado vários momentos de “nunca tinha pensado nisso”. A criança está mais disponível para explorar possibilidades e essa atitude convida-me a praticar o exercício de abandonar o óbvio ou aquilo que parece óbvio.

O meu papel passa muito por assinalar o nosso processo colectivo de pensamento, sublinhando momentos de pensamento crítico (e de pensamento criativo).

Com frequência, torno visível a terminologia do pensamento crítico. Há dias, numa oficina, uma criança disse “isto não tem lógica”. A palavra lógica foi usada pela criança, não por mim. O que fiz foi perguntar o que queria dizer com isso. Uma vez esclarecido esse sentido, pela voz da própria criança, foi possível ao grupo investigar se as ideias que partilhámos durante o diálogo tinham ou não lógica.

 

a criança é um ser pensante

Alison Gopnik é uma autora que tem vindo a estudar a forma como os bebés desenvolvem o seupensamento. Há um livro traduzido em português, intitulado O Bebé Filósofo, cuja leitura recomendo.

Tendo em conta que a minha abordagem ao pensamento crítico passa pelo diálogo, diria que quando a mãe, o pai ou outra pessoa adulta cria momentos de conversa com a criança,interagindo num vai e vem de pergunta e resposta, está a modelar uma prática de escuta, além de estar a criar momentos de relação com o mundo e a sua tradução em palavras. Portanto, um bebé que está a aprender a falar conhecerá muitos benefícios em estar rodeado de pessoas que conversam.

Devemos considerar que as crianças são seres pensantes. As crianças não são o futuro ou o que querem ser quando forem grandes, as crianças são o presente e estão a descobrir o mundo.

 

a prática da humildade intelectual

Dizer que estar lado a lado com uma criança, disponível para descobrir o mundo, é nivelar por baixo, implica assumir uma certa arrogância intelectual por parte da pessoa adulta. A meu ver, o pensamento crítico consiste na prática da humildade intelectual para com as pessoas que nos rodeiam, o que inclui crianças e jovens. Diria que ajuda muito olhar para a criança como uma pessoa inteira.

Há uns anos num jardim-de-infância, na sala dos 5 anos, perguntei às crianças quantas pessoas estavam na sala. As crianças contaram três: eu, a educadora e a assistente operacional. Para aquele grupo uma criança não era uma pessoa, pois ser pessoa está associado a adulto. O diálogo seguiu com a investigação do que é ser uma pessoa.

Termino com algumas perguntas dirigidas a quem é pai, mãe, avô ou avó, e para quem trabalha na área da educação:

  • De que forma a criança se envolve no seu processo de aprendizagem?
  • Quando foi a última vez que o seu filho escolheu uma actividade?
  • Costuma conversar com as crianças sobre as decisões que tomam em família?
  • Costuma conversar com as crianças sobre as decisões que são tomadas na escola?
  • Tem por hábito pedir às crianças que escolham ou que votem em decisões? O que faz com o resultado dessa escolha ou votação?

As pessoas adultas decidem muitas coisas pelas crianças – e com boas razões, entenda-se – mas nem sempre as escutam nesse processo de decisão. O Conselho Nacional de Educação lançou uma recomendação nesse sentido.

Escutar parece algo muito óbvio e corriqueiro – será que escutamos verdadeiramente?

Uma última sugestão: pergunte à criança: “o que queres ser?” e não “o que queres ser quando fores grande?” Sei que o Professor José Pacheco aprova esta ideia.