11 chapéus típicos dos professores de filosofia
Quem acompanha este blog há algum tempo conhece o carinho que tenho por chapéus. Fiz uma certificação na técnica dos Seis Chapéus do Pensamento de Edward de Bono e faço uso destes chapéus na minha prática. Em tempos fui conhecida como "a Joana dos Chapéus" precisamente por ter dado muita formação na técnica do autor do Pensamento Lateral.
Ao ler este artigo publicado no linkedin pelo Steven identifiquei-me muito com os vários chapéus apresentados. É difícil dizer o que faz a pessoa facilitadora de um diálogo filosófico; na minha dissertação de mestrado até apresentei a ideia de pessoa dificultadora, brincando com a ideia do fácil e do difícil. Trata-se de um trabalho difícil, sem dúvida e que, na linha do que o Steven diz, implica pôr e tirar vários chapéus.
Defendo que esses chapéus podem ser usados por qualquer pessoa que faz parte do diálogo, ainda que haja momentos em que a pessoa facilitadora tem o papel de usar mais chapéus e por mais tempo no sentido de modelar aquilo que qualquer pessoa pode fazer no contexto do diálogo.
Aqui fica a visão chapeleira dos professores de filosofia.
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No meu trabalho como Professor Especialista em Filosofia, assumo papéis diferentes:
(1) Contador de Histórias
A história é o instrumento mais eficiente já criado para captar a atenção das pessoas. Se eu quero envolver os meus alunos com uma ideia filosófica, procuro uma história adequada para enquadrar as ideias e trazê-las à vida. Felizmente, existem muitas histórias coloridas e provocadoras na história da filosofia - bem como fábulas, mitos e experiências de pensamento - às quais posso recorrer para atrair os alunos. Começamos com essas histórias e, em seguida, aprofundamos.
(2) Anfitrião
Alguns alunos clamam por atenção, enquanto outros evitam os holofotes. Como anfitrião, sou responsável por garantir que ambos os tipos de alunos se sentem confortáveis. Os alunos não devem sentir-se excluídos se quiserem participar da discussão, e os mais sossegados não devem sentir-se obrigados a falar, mas devem ser convidados a fazê-lo. O objectivo passa por criar um ambiente de segurança psicológica. Esse ambiente permite que os alunos se expressem de modo autêntico, partilhando as suas perspectivas sem medo do julgamento e que se envolvam em discussões significativas.
(3) Árbitro
De uma maneira geral as investigações filosóficas falham por um de dois motivos: ou os alunos não estão envolvidos com o problema filosófico em si ou estão distraídos por mau comportamento. Ainda que o bom comportamento não seja suficiente para o desenrolar de uma boa investigação, muitas vezes é necessário. No meu papel como árbitro, faço cumprir duas 'regras' da discussão filosófica; fala uma pessoa de cada vez e não há desrespeito pelas opiniões dos outros (embora possamos discordar de forma respeitosa).
(4) Mediador
Os desacordos são a essência da filosofia. De tal forma que uma vez um dos meus alunos disse que se todos concordarem com algo, isso deixa de poder ser apelidado de filosofia. Uma vez que as boas investigações envolvem uma tensão dinâmica entre pontos de vista opostos, o meu papel como mediador passar por envolver os alunos com o conteúdo do seu desacordo sem afirmar nenhum lado em particular. Isso pode traduzir-se no simples apontar do ponto com o qual alguém discorda e convidar para que haja uma resposta, ou escrever argumentos opostos para aprofundar as razões que os sustêm.
(5) Parteira
Frequentemente as crianças têm uma noção à volta de uma ideia, mas acham difícil colocá-la em palavras. No meu papel como parteira na sala de aula, ajudo as crianças a dar à luz as suas ideias. Faço perguntas para que esclareçam para si mesmas o que pensam e ajudo-as em cada etapa do processo. Sócrates comparou o seu papel ao de uma parteira no diálogo Teeteto de Platão:
'Aqueles que frequentam a minha companhia a princípio parecem, alguns deles, bastante desinteligentes, mas, à medida que avançamos nas nossas discussões, todos os que são favorecidos pelo céu progridem a um ritmo que parece surpreendente para os outros e para si mesmos, embora seja claro que nunca aprenderam nada comigo. As muitas verdades admiráveis que trazem à tona foram descobertas por eles mesmos de dentro de si.' (150c, Teeteto)
(6) Provocador
Uma vez que, como disse o filósofo de Harvard Michael Sandel, a filosofia se preocupa com 'despertar a inquietação da razão', às vezes é necessário dizer algo provocador para, precisamente, provocar os meus alunos. Essa atitude faz que que permaneçam alerta e impede que se acomodem. Costumo adoptar esse papel quando há um surto de consenso sobre um determindo assunto. Posso usar a estratégia do 'discordante imaginário' (Peter Worley, The Philosophy Foundation) invocando uma pessoa ausente que oferece uma visão discordante, ou fingir que tenho uma opinião oposta e deliberadamente controversa, para fins dramáticos. Sócrates disse que o seu objectivo era 'picar as pessoas e levá-las à fúria, tudo em prol da verdade' (Apologia, 30e). Às vezes, uma picada é necessária para nos desperatar dos nossos sonos dogmáticos. Precisamos ser sacudidos no sentido da contemplação.
(7) Moscardo
Frequentemente os filósofos são motivados pela necessidade de entender as suas próprias dúvidas e confusões. De acordo com Arthur Schopenhauer, ‘Um homem torna-se filósofo por causa de uma certa perplexidade, da qual procura a libertação‘. Às vezes, conduzo deliberadamente os meus alunos a um ponto de confusão para que sintam a necessidade de se desfazerem dela. Sócrates era um mestre nisso. Nm diálogo, Menon dirige-se a Sócrates e diz:
‘Sócrates, antes de te conhecer, ouvia que estás sempre em estado de perplexidade e que conduzes os outros ao mesmo estado, e agora acho que estás a encantar-me e a seduzir-me me encantando, deixando-me sob o efeito de um feitiço, de tal modo que estou completamente perplexo.’ (80a, Mênon)
Sócrates afirmava que era necessário conduzir os outros à perplexidade para que pudessem ver os problemas com clareza. Uma vez cientes de sua ignorância e da necessidade de resolver o problema, as pessoas ficam motivadas a investigá-lo profundamente.
(8) Treinador
Uma vez que, na filosofia, o progresso é frequentemente difícil de quantificar, os alunos precisam sentir que estão a melhorar e a avançar na direcção certa. Frequentemente, incentivo os meus alunos antes de começarmos e destaco exemplos individuais de melhoria numa habilidade filosófica (por exemplo, fazer perguntas pertinentes, apresentar um argumento mais profundo, analisar as implicações de uma afirmação) para servir de modelo para as restantes pessoas da turma. No entanto, não elogiarei as suas conclusões, mas apenas o processo de raciocínio que as sustentou.
(9) Dar pistas
Frequentemente, a meio de uma investigação filosófica, introduzo alguns termos filosóficos, teorias ou argumentos que podem ser ferramentas úteis para avançar na conversa. Aqui, o meu objectivo não é o de conduzir a discussão para um lugar diferente, mas sim de fornecer uma peça potencial para completar o quebra-cabeças. Sentindo que estamos mais próximos da verdade, os alunos ficam motivados para procurar um entendimento mais profundo. Os autores Chip e Dan Heath descrevem a importância de dar pistas da seguinte forma:
‘Não é por acaso que os romancistas de mistério e os criadores de palavras cruzadas nos dão pistas. Quando sentimos que estamos perto de solucionar um enigma, a curiosidade toma conta e impulsiona-nos até ao final. Os mapas do tesouro, tal como são apresentados nos filmes, são vagos. Mostram alguns pontos de referência chave e um grande X onde o tesouro se encontra. Normalmente, o aventureiro sabe apenas o suficiente para encontrar o primeiro ponto, que se torna o primeiro passo de uma longa jornada em direcção ao tesouro. Se os mapas do tesouro fossem produzidos no MapQuest.com, com direções porta a porta, isso mataria os filmes de aventuras. Há valor em sequenciar informações – e não despejar uma pilha de informações sobre alguém de uma vez, mas sim em deixar uma pista, depois outra pista, depois outra. Este método de comunicação assemelha-se mais a uma sedução do que a uma palestra. Ideias inesperadas, ao abrir uma lacuna de conhecimento, provocam e seduzem. Essas ideias marcam um grande X vermelho nalgo que precisa ser descoberto, mas não dizem necessariamente como chegar lá.’ (Made to Stick)
(10) Curador
Frequentemente os alunos fazem observações que merecem atenção filosófica sustentada, mas que não são valorizadas em sala. Se estiver alerta e conseguir lembrar-me dessas observações, posso preservar o insight para uma investigação posterior nas semanas seguintes. Ao escrever o que os meus alunos dizem, posso identificar mais conexões e relacionar as suas observações à comunidade de investigação mais ampla. Isso também tem o efeito colateral desejado de motivar outros a fazerem observações que também são dignas de nota.
(11) Improvisador
O princípio mais fundamental da improvisação é ‘sim, e…’. Em vez de rejeitar ou ignorar o que os outros dizem, o artista de improvisação aceita que uma oferta foi feita e segue com ela. Tento fazer o mesmo nas investigações filosóficas. Quando um aluno faz uma observação, geralmente aproveito a oportunidade para fazer algo com essa observação, seja fazendo outra pergunta, relacionando-a com uam experiência de pensamento ou conectando-a ao que os outros dizem. Isso incentiva a turma a fazer o mesmo, e em ambos os casos, o objectivo passa por permitir que a discussão flua naturalmente e aprofunde as ideias emergentes.
‘Qualquer um que tenta controlar o futuro da história só consegue arruiná-la. Cada vez que adiciona uma palavra, sabe que palavra gostaria que seguisse. A menos que consiga continuamente limpar suas ideias da mente, fica paralisado.’ (Keith Johnstone, Improv)
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Artigo de Steven Campbell-Harris, publicado no linkedin; traduzido para PT por mim,
com ajuda do ChatGPT e do google translate, com autorização do autor.
Foto de Héctor J. Rivas na Unsplash