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filocriatividade | #filocri

filosofia para/com crianças e jovens | mediação cultural e filosófica | #ClubeDePerguntas | #LivrosPerguntadores | perguntologia | filosofia, literatura e infância

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31 de Julho, 2024

um ano cheio de viagens (e de diálogos)

joana rita sousa / filocriatividade

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2023/2024 teve início na Ericeira e termina um pouco por todo o país, com formações e-learning.
de Setembro a Julho foram muitos os kms percorridos e foram muitas as localidades visitadas: Mafra, Serpa, Ovar, Odivelas, Telheiras, Venda do Pinheiro, Óbidos, Leiria, Poceirão, Sines, Palmela, Abrantes, Figueira da Foz, Póvoa de Santa Íria, Ponte de Lima, Tondela, Évora, Vila Nova de Milfontes, Ourém, Torres Vedras, Loures, Vila Franca de Xira, Fanhões, Alvalade, Charneca de Caparica, Almada, Braga, Benfica, Cascais, Oeiras, Aveiro, Malveira, São João da Madeira.
 
um dia vou fazer as contas ao número de oficinas, ao número de crianças e jovens com quem trabalheir. se calhar devia fazê-lo agora mesmo, pois os números impressionam.
 
os números são curtos para expressar a qualidade dos diálogos.
 
os números não dizem as ideias, as perguntas, o arriscar de respostas, a vontade em aprofundar (e a falta dela), a descoberta do jogo, o concordar, o discordar, os momentos "nunca tinha pensado nisso".
 
a partir de setembro há mais oficinas e mais viagens.
assim espero, sendo que não me limito a esperar.
 
trabalho muito para que isso aconteça e, pelo meio, tenho a sorte de ter pessoas que me recomendam, que me desafiam a cruzar a filosofia com outros mundos.
a vida de freelancer faz-se de incerteza, de humor, de esforço deliberado e de improviso.
 
nesse sentido não é muito diferente de um diálogo filosófico.
citando o filósofo Tony Carreira, "foi a vida que eu escolhi".
 
 
📷 Sines, 2024
31 de Julho, 2024

respostas que destroem perguntas?

- pensar em voz alta

joana rita sousa / filocriatividade

Há dias vi uma publicação no Plano Nacional das Artes com uma citação de Susan Sontag: 

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Não sei qual é o contexto da afirmação. Fui pesquisar sobre Susan Sontag. A wikipédia devolve-me esta informação. Nunca li nada da autora e sei que comentar uma frase retirada do contexto tem os seus riscos. Deveria pedir a referência e ler o antes e depois desta frase. Saber quais as premissas que sustentam esta conclusão. Conhecer o seu argumento.

Tenho também a prática de iniciar diálogos a partir de situações ou de afirmações que nos provocam o pensamento, tal como esta.

Assumo o meu enviesamento: tenho um grande carinho por perguntas e entendo que estas têm uma força incrível. Renovam-se, reformulam-se, convidam a pensar, podem ser ressuscitadas, podem ser adoptadas.

Que relação têm as perguntas com as respostas? 

Se uma resposta destrói a pergunta, o que pensar da pergunta? E da resposta? O diálogo termina?

Interessam-me as perguntas que são indestrutíveis no sentido em que não se deixam destruir pelas respostas, mas convidam a responder e a rever respostas.

As perguntas interessantes são actualizadas e pedem revisão de resposta a todo o momento.

(O que é a vida? Existir é julgar? O que devo fazer? A amizade é essencial?)

Respostas que destroem perguntas ou perguntas que destroem respostas? Nem uma coisa nem outra. Perguntas que pedem respostas e respostas que geram perguntas - julgo que esta formulação vai mais ao encontro daquilo que acontece num diálogo no qual as pessoas intervenientes têm a atitude do "everybody wins" (Bohm).

 

 

 

 

 

31 de Julho, 2024

Philosophical Inquiry in a Time of Discord

joana rita sousa / filocriatividade

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Enabling Students' Voices and Identities

Philosophical Inquiry in a Time of Discord

- ARIE KIZEL

 

One of the challenges that educational systems are facing worldwide is enabling the voices of children from silenced, marginalized, and excluded groups to be heard in communities of philosophical inquiry. Children from unprivileged socioeconomic sectors or minorities, and whose narrative is not in accord with that of the dominant mainstream narrative, often feel uncomfortable expressing their feelings, experiences, and mostly their authentic philosophical questions during communities of philosophical inquiry. They prefer not to raise the questions from their identity perspective. Even if they are friendly, such communities of inquiry are governed—even if implicitly—by the hegemonic meta-narrative. This book addresses the challenges of authentic inclusion of these children and their identities/narratives. Arie Kizel analyzes both how discourse about multiple identities and narratives can enrich the theoretical foundations of philosophy for/with children, as opposed to the sterile banking and normalizing education, and the challenge of various identities and their uniqueness within childhood in order to offer theoretical and pedagogical-educational solutions within philosophy for and with children. This book furthers our understanding of dialogical inquiry, particularly within a pluralistic environment that explicitly promotes democratic culture. 

 

 

28 de Julho, 2024

11 chapéus típicos dos professores de filosofia

joana rita sousa / filocriatividade

 

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Quem acompanha este blog há algum tempo conhece o carinho que tenho por chapéus. Fiz uma certificação na técnica dos Seis Chapéus do Pensamento de Edward de Bono e faço uso destes chapéus na minha prática. Em tempos fui conhecida como "a Joana dos Chapéus" precisamente por ter dado muita formação na técnica do autor do Pensamento Lateral.

Ao ler este artigo publicado no linkedin pelo Steven identifiquei-me muito com os vários chapéus apresentados. É difícil dizer o que faz a pessoa facilitadora de um diálogo filosófico; na minha dissertação de mestrado até apresentei a ideia de pessoa dificultadora, brincando com a ideia do fácil e do difícil. Trata-se de um trabalho difícil, sem dúvida e que, na linha do que o Steven diz, implica pôr e tirar vários chapéus.

Defendo que esses chapéus podem ser usados por qualquer pessoa que faz parte do diálogo, ainda que haja momentos em que a pessoa facilitadora tem o papel de usar mais chapéus e por mais tempo no sentido de modelar aquilo que qualquer pessoa pode fazer no contexto do diálogo.

 

Aqui fica a visão chapeleira dos professores de filosofia. 

 

*

 

No meu trabalho como Professor Especialista em Filosofia, assumo papéis diferentes:

 

(1) Contador de Histórias

A história é o instrumento mais eficiente já criado para captar a atenção das pessoas. Se eu quero envolver os meus alunos com uma ideia filosófica, procuro uma história adequada para enquadrar as ideias e trazê-las à vida. Felizmente, existem muitas histórias coloridas e provocadoras na história da filosofia - bem como fábulas, mitos e experiências de pensamento - às quais posso recorrer para atrair os alunos. Começamos com essas histórias e, em seguida, aprofundamos.

 

(2) Anfitrião 

Alguns alunos clamam por atenção, enquanto outros evitam os holofotes. Como anfitrião, sou responsável por garantir que ambos os tipos de alunos se sentem confortáveis. Os alunos não devem sentir-se excluídos se quiserem participar da discussão, e os mais sossegados não devem sentir-se obrigados a falar, mas devem ser convidados a fazê-lo. O objectivo passa por criar um ambiente de segurança psicológica. Esse ambiente permite que os alunos se expressem de modo autêntico, partilhando as suas perspectivas sem medo do julgamento e que se envolvam em discussões significativas.

 

(3) Árbitro 

De uma maneira geral as investigações filosóficas falham por um de dois motivos: ou os alunos não estão envolvidos com o problema filosófico em si ou estão distraídos por mau comportamento. Ainda que o bom comportamento não seja suficiente para o desenrolar de uma boa investigação, muitas vezes é necessário. No meu papel como árbitro, faço cumprir duas 'regras' da discussão filosófica; fala uma pessoa de cada vez e não há desrespeito pelas opiniões dos outros (embora possamos discordar de forma respeitosa).

 

(4) Mediador 

Os desacordos são a essência da filosofia. De tal forma que uma vez um dos meus alunos disse que se todos concordarem com algo, isso deixa de poder ser apelidado de filosofia. Uma vez que as boas investigações envolvem uma tensão dinâmica entre pontos de vista opostos, o meu papel como mediador passar por envolver os alunos com o conteúdo do seu desacordo sem afirmar nenhum lado em particular. Isso pode traduzir-se no simples apontar do ponto com o qual alguém discorda e convidar para que haja uma resposta, ou escrever argumentos opostos para aprofundar as razões que os sustêm.

 

(5) Parteira

Frequentemente as crianças têm uma noção à volta de uma ideia, mas acham difícil colocá-la em palavras. No meu papel como parteira na sala de aula, ajudo as crianças a dar à luz as suas ideias. Faço perguntas para que esclareçam para si mesmas o que pensam e ajudo-as em cada etapa do processo. Sócrates comparou o seu papel ao de uma parteira no diálogo Teeteto de Platão: 

 'Aqueles que frequentam a minha companhia a princípio parecem, alguns deles, bastante desinteligentes, mas, à medida que avançamos nas nossas discussões, todos os que são favorecidos pelo céu progridem a um ritmo que parece surpreendente para os outros e para si mesmos, embora seja claro que nunca aprenderam nada comigo. As muitas verdades admiráveis que trazem à tona foram descobertas por eles mesmos de dentro de si.'  (150c, Teeteto)

(6) Provocador

Uma vez que, como disse o filósofo de Harvard Michael Sandel, a filosofia se preocupa com 'despertar a inquietação da razão', às vezes é necessário dizer algo provocador para, precisamente, provocar os meus alunos. Essa atitude faz que que permaneçam alerta e impede que se acomodem. Costumo adoptar esse papel quando há um surto de consenso sobre um determindo assunto. Posso usar a estratégia do 'discordante imaginário' (Peter Worley, The Philosophy Foundation) invocando uma pessoa ausente que oferece uma visão discordante, ou fingir que tenho uma opinião oposta e deliberadamente controversa, para fins dramáticos. Sócrates disse que o seu objectivo era 'picar as pessoas e levá-las à fúria, tudo em prol da verdade' (Apologia, 30e). Às vezes, uma picada é necessária para nos desperatar dos nossos sonos dogmáticos. Precisamos ser sacudidos no sentido da contemplação.

 

(7) Moscardo

Frequentemente os filósofos são motivados pela necessidade de entender as suas próprias dúvidas e confusões. De acordo com Arthur Schopenhauer, ‘Um homem torna-se filósofo por causa de uma certa perplexidade, da qual procura a libertação‘.  Às vezes, conduzo deliberadamente os meus alunos a um ponto de confusão para que sintam a necessidade de se desfazerem dela. Sócrates era um mestre nisso. Nm diálogo, Menon dirige-se a Sócrates e diz:

‘Sócrates, antes de te conhecer, ouvia que estás sempre em estado de perplexidade e que conduzes os outros ao mesmo estado, e agora acho que estás a encantar-me e a seduzir-me me encantando, deixando-me sob o efeito de um feitiço, de tal modo que estou completamente perplexo.’ (80a, Mênon)

Sócrates afirmava que era necessário conduzir os outros à perplexidade para que pudessem ver os problemas com clareza. Uma vez cientes de sua ignorância e da necessidade de resolver o problema, as pessoas ficam motivadas a investigá-lo profundamente.

 

(8) Treinador

Uma vez que, na filosofia, o progresso é frequentemente difícil de quantificar, os alunos precisam sentir que estão a melhorar e a avançar na direcção certa. Frequentemente, incentivo os meus alunos antes de começarmos e destaco exemplos individuais de melhoria numa habilidade filosófica (por exemplo, fazer perguntas pertinentes, apresentar um argumento mais profundo, analisar as implicações de uma afirmação) para servir de modelo para as restantes pessoas da turma. No entanto, não elogiarei as suas conclusões, mas apenas o processo de raciocínio que as sustentou.

 

(9) Dar pistas 

Frequentemente, a meio de uma investigação filosófica, introduzo alguns termos filosóficos, teorias ou argumentos que podem ser ferramentas úteis para avançar na conversa. Aqui, o meu objectivo não é o de conduzir a discussão para um lugar diferente, mas sim de fornecer uma peça potencial para completar o quebra-cabeças. Sentindo que estamos mais próximos da verdade, os alunos ficam motivados para procurar um entendimento mais profundo. Os autores Chip e Dan Heath descrevem a importância de dar pistas da seguinte forma:

‘Não é por acaso que os romancistas de mistério e os criadores de palavras cruzadas nos dão pistas. Quando sentimos que estamos perto de solucionar um enigma, a curiosidade toma conta e impulsiona-nos até ao final. Os mapas do tesouro, tal como são apresentados nos filmes, são vagos. Mostram alguns pontos de referência chave e um grande X onde o tesouro se encontra. Normalmente, o aventureiro sabe apenas o suficiente para encontrar o primeiro ponto, que se torna o primeiro passo de uma longa jornada em direcção ao tesouro. Se os mapas do tesouro fossem produzidos no MapQuest.com, com direções porta a porta, isso mataria os filmes de aventuras. Há valor em sequenciar informações – e não despejar uma pilha de informações sobre alguém de uma vez, mas sim em deixar uma pista, depois outra pista, depois outra. Este método de comunicação assemelha-se  mais a uma sedução do que a uma palestra. Ideias inesperadas, ao abrir uma lacuna de conhecimento, provocam e seduzem. Essas ideias marcam um grande X vermelho nalgo que precisa ser descoberto, mas não dizem necessariamente como chegar lá.’ (Made to Stick)

 

(10) Curador

Frequentemente os alunos fazem observações que merecem atenção filosófica sustentada, mas que não são valorizadas em sala. Se estiver alerta e conseguir lembrar-me dessas observações, posso preservar o insight para uma investigação posterior nas semanas seguintes. Ao escrever o que os meus alunos dizem, posso identificar mais conexões e relacionar as suas observações à comunidade de investigação mais ampla. Isso também tem o efeito colateral desejado de motivar outros a fazerem observações que também são dignas de nota.

 

(11) Improvisador

O princípio mais fundamental da improvisação é ‘sim, e…’. Em vez de rejeitar ou ignorar o que os outros dizem, o artista de improvisação aceita que uma oferta foi feita e segue com ela. Tento fazer o mesmo nas investigações filosóficas. Quando um aluno faz uma observação, geralmente aproveito a oportunidade para fazer algo com essa observação, seja fazendo outra pergunta, relacionando-a com uam experiência de pensamento ou conectando-a ao que os outros dizem. Isso incentiva a turma a fazer o mesmo, e em ambos os casos, o objectivo passa por permitir que a discussão flua naturalmente e aprofunde as ideias emergentes.

‘Qualquer um que tenta controlar o futuro da história só consegue arruiná-la. Cada vez que adiciona uma palavra, sabe que palavra gostaria que seguisse. A menos que consiga continuamente limpar suas ideias da mente, fica paralisado.’ (Keith Johnstone, Improv)

 

*

Artigo de Steven Campbell-Harris, publicado no linkedin; traduzido para PT por mim,

com ajuda do ChatGPT e do google translate,  com autorização do autor.

Foto de Héctor J. Rivas na Unsplash

 
24 de Julho, 2024

sugestões para quem quer aprender filosofia

joana rita sousa / filocriatividade

 

aprender filosofia

Pretende aprender filosofia durante as férias?

É uma pessoa interessada em cultivar a sua sensibilidade filosófica?

Gostaria de sugerir leituras, podcasts ou vídeos ao seu filho ou à sua filha na área da filosofia?

Vamos a isso.

Preparei um conjunto de sugestões para quem quer ler ou estudar filosofia; filosofia mesmo para quem não gosta de filosofia (ou ainda não sabe se gosta).

 

_ playlist sobre pensamento crítico

_ plalylist sobre pensamento criativo

_ playlist sobre mulheres filósofas

_ Núcleo Isto Não É Filosofia (INÉF)

_ Canal YouTube INÉF 

_ sugestões de livros para introdução à filosofia

_ Canal YouTube do professor Clóvis de Barros

_ 3 razões para nos dedicarmos à filosofia 

Boas férias!

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23 de Julho, 2024

Isso não é justo! Considerações sobre ética e justiça a partir da infância

joana rita sousa / filocriatividade

 

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[texto que serviu de base à minha comunicação no Congresso de Ética - ESG Week que teve lugar no dia 7 de Maio de 2024, no IPAMEI - organização da Associação Portuguesa de Ética Empresarial (APEE)]

 

Agradeço o convite à APEE para fazer parte deste evento que convida a parar, pensar escutar e dialogar sobre a ética e a justiça. Estes temas são-me muito caros tendo em conta os ossos do meu ofício: a Filosofia.

Desde 2008 que me dedico à filosofia para/com crianças e jovens. Sou recebida em jardins de infância, centros de estudo, escolas, ginásios, teatros, bibliotecas e museus para dinamizar oficinas de diálogo.

Inspirada por livros ou exercícios de perguntas, experiências de pensamento ou jogos, convido as crianças e os jovens a perguntar, responder, criticar, criar, conceptualizar, problematizar, sintetizar, analisar, explorar... e por aí vai.

Inevitavelmente surgem problemas relacionados com a ética e com a justiça. Alguns são deliberadamente propostos por mim, outros surgem espontaneamente nos diálogos. 

 

O que devo fazer? – eis uma pergunta infantil

A kantiana pergunta “O que devo fazer?” não é uma pergunta exclusiva da idade adulta ou dos ambientes empresariais. Trata-se de uma pergunta que também é infantil e juvenil.

Isso não é justo! – é uma frase que se ouve desde cedo da boca de crianças.

Tal como acontece com as crianças, também nós, as pessoas adultas, temos momentos em que queremos exclamar Isso não é justo! Ao contrário das crianças, as pessoas adultas são menos transparentes neste reconhecimento, pois acabam por verbalizar menos do que as crianças.

 

Os dilemas éticos

No final de 2023 fui convidada pelo LU.CA Teatro Luís de Camões, em Lisboa, para pensar um conjunto de dilemas éticos que habitaram o teatro em Janeiro deste ano. Nesse espaço, as crianças, os jovens e as pessoas adultas eram convidadas a ler e a pensar sobre situações que nos colocavam pelo menos duas possibilidades de acção, sendo que nenhuma delas era plenamente satisfatória.

Eram apresentadas situações quotidianas que nos convidam a fazer escolhas difíceis. Este tipo de proposta permite criar uma espécie de laboratório de pensamento para ensaiar respostas.

 

Como considerar o ponto de vista infantil sobre a ética e a justiça?

Neste momento acredito que as pessoas aqui presentes tenham curiosidade para saber que dilemas foram apresentados e que respostas deram as crianças. Espero que essa curiosidade traduza a vontade genuína de escutar a infância e, quem sabe, de aprender com essa mesma infância a lidar com dilemas éticos. Digo “espero que”, pois sei que frequentemente as perguntas e as respostas das crianças não são encaradas com seriedade. Tendemos a olhar para as crianças como as pessoas adultas de amanhã e não como as crianças de hoje. Devolvemos as suas intervenções com “ah, pois, é muito nova para saber” ou “ah, claro, tem 9 anos é natural que pense assim” ou “ah mas isso é muita informação para as crianças.”

Sim, há diferenças entre o ser criança e o ser pessoa adulta. Temos consciência disso e as crianças também têm. Não pretendo infantilizar as pessoas adultas nem adultificar as crianças. O meu apelo é para que possamos olhar e considerar as ideias das crianças da mesma forma que olhamos e consideramos as ideias das outras pessoas.

Recentemente, José Maria Pimentel, autor do podcast 45 Graus, conversou com Tom Chatfield, uma das minhas referências na área do pensamento crítico. A dada altura Chatfield refere o seu trabalho em empresas; diz o autor de vários livros publicados em português que uma das formas que encontra para ajudar as pessoas a tornar o seu discurso claro passa por pedir-lhes que expliquem como se estivessem a conversar com uma criança de 5 anos.

A ideia de Chatfield vem ao encontro da minha prática diária de diálogos com crianças e daquela que é, para mim, uma das suas maiores vantagens: se eu conseguir pensar numa forma de trabalhar a ética e a justiça com crianças de 5 anos, então consigo fazê-lo com pessoas de qualquer idade. É que trabalhar com crianças do jardim de infância exige pegar em problemas complexos, libertá-los da linguagem complexa e contemplá-los da maneira mais clara possível. Notem que os problemas não deixam de ser complexos, apenas são considerados de forma clara e simples.

 

A obsessão pela transparência

No seu livro O que é a Filosofia?, António de Castro Caeiro realiza uma releitura da palavra filosofia como uma obsessão pela transparência. A atitude filosófica tem na sua base a busca pela transparência e a resolução da opacidade com a qual o mundo nos brinda.

Esta leitura da palavra filosofia diz muito daquele que é o trabalho filosófico, assente na estrutura do diálogo, que realizo com crianças, jovens e pessoas adultas.

Nos diálogos com as crianças sobre os dilemas éticos essa obsessão pela transparência aconteceu quando procurámos compreender os contornos dos dilemas. Vejamos um exemplo.

 

O que devemos fazer?

Imaginem que a vossa melhor amiga danifica um equipamento na escola por descuido. Estava a brincar com o único bebedouro do recreio e avaria-o, ainda que nós tenhamos avisado para parar de brincar com o bebedouro. Nós somos a única pessoa que sabe quem foi responsável pela situação. Ao sermos confrontados com um apelo da Direcção da escola para que a pessoa responsável assuma o que fez sob pena de toda a escola ficar sem visitas de estudo, o que devemos fazer?

No meio empresarial há certamente exemplos semelhantes. Não envolvem bebedouros; talvez possam envolver o uso indevido de outros equipamentos e para outros fins que não a pura diversão. A consequência não será o cancelamento de visitas de estudo, mas a suspensão de outros benefícios. As semelhanças continuam, por ser muito comum sancionar o grupo pela acção indevida de um só indivíduo. Este tipo de sanção é eticamente discutível: por que razão temos de fazer com que todos paguem pelas acções de uma só pessoa?

Durante os diálogos que surgiram em torno deste dilema surgiram pontos de vista bastante pertinentes: saber que tipo de amizade têm aquelas duas pessoas. A resposta à pergunta “O que devo fazer?” muda se a amizade for recente, se já tiver muitos anos ou se são apenas conhecidos. No ambiente empresarial isso também se reflecte, nem sempre em termos de amizade, mas de antiguidade. Devemos denunciar se a pessoa é nova na empresa? Ou se já é alguém sénior?

Outro ponto importante: a qualidade da acção que danifica o bebedouro. Estava mesmo a brincar? Ou foi um acidente? Até que ponto a pessoa sabia que aquele gesto repetido iria danificar o equipamento? Como tratar a intenção do gesto e o conhecimento que se tem daquilo que o gesto pode provocar?

Antes de respondermos às perguntas dos dilemas éticos foi importante explorar a complexidade do dilema. Várias perguntas foram feitas no sentido de compreender melhor o dilema e antes de avançarmos com uma resposta. Sim, também há crianças impulsivas que respondem logo, assim, no momento imediatamente posterior à leitura do dilema. Parece que têm uma resposta pronta. Será que isso acontece por terem pressa em resolver o dilema? Será que já tinham tido oportunidade de pensar sobre algo semelhante?

 

O que podem as pessoas adultas aprender com a infância?

A minha resposta a esta pergunta não se prende tanto com o conteúdo dos diálogos que tenho o privilégio de dinamizar, mas com a forma.

As pessoas adultas podem aprender a dar dois passos atrás. A considerar dizer “não sei” mais vezes. Mesmo que já tenham pensado sobre o assunto e já tenham uma posição, as pessoas adultas podem praticar um exercício simples: investigar um pouco mais sobre o assunto, sobretudo sobre as posições opostas à sua.

A ética e a justiça constituem-se como conteúdo das oficinas e dos diálogos e, simultaneamente, como forma. A ética e a justiça estão presentes nas atitudes fundamentais de quem pretende dialogar. A humildade, a honestidade e o compromisso com a investigação e a resolução da opacidade são atitudes que podemos exercitar diariamente.

Hoje procurei exercitar aqui convosco, amanhã farei o mesmo em duas salas de jardim de infância.

Muito obrigada pela vossa disponibilidade em escutar-me e às vozes da infância que trago comigo.

 

 

Agradecimentos

Agradeço ao LU.CA – Teatro Luís de Camões pela oportunidade de pensar e criar as oficinas sobre os grandes dilemas éticos.

 

22 de Julho, 2024

sugestões de leitura para as férias

joana rita sousa / filocriatividade

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Augusta B. é uma novela publicada na Caminho, da autoria da Joana Bértholo. A Joana é autora de alguns dos meus livros preferidos de sempre (Natureza Humana ou Ecologia, por exemplo).

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Um dia perfeito com amigos de Philip Waechter (Nuvem de Letras) é uma história leve sobre a amizade enquanto ponto de encontro entre pessoas diferentes. O que é a amizade? - eis uma pergunta que este livro nos faz. 

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Os avós são as pessoas preferidas dos pássaros é um poema delicadamente escrito pela Raquel Patriarca e ilustrado pelo Sérgio Condeço. 

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Pequenos humanos, grandes emoções é um livro assinado por Alyssa Blask Campbell e Lauren Stauble (Ideias de Ler) e que contribui para a nossa literacia emocional. Afinal, o que é uma emoção? A proposta do subtítulo é a de nos ensinar a lidar com birras e rebeldias, no sentido de educar crianças emocionalmente inteligentes. Pessoas ligadas à investigação e à ciência sublinham a importância de conhecer e nomear as emoções de forma a aprender a geri-las:

"Imagine um mundo onde podemos sentir as nossas emoções sem nos afogarmos nelas, pois temos as ferramentas necessárias para as regularmos e processarmos." (p. 33).

 

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Como ver coisas invisíveis já é um clássico aqui no blog, no que a recomendações diz respeito. Da autoria de Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso, o livro conta ainda com a colaboração de pessoas especialistas de diferentes áreas. Um livro para ler e para pôr em prática. 

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Dita Dor talvez seja o meu livro preferido da colecção Missão: Democracia (Assembleia da República). O texto e a ilustração são da autoria do António Jorge Gonçalves. Um livro para #PararPensarEscutarDialogar sobre liberdade, ditadura e democracia. 

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Tom Chatfield é o autor de vários livros na área do pensamento crítico. Como aproveitar o máximo da era digital chega-nos por via da editora Lua de Papel, tendo o carimbo da The School of Life. O digital faz parte da nossa vida e a proposta deste livro é a de nos perguntar e sugerir como podemos tirar partido disso: "está na hora de começarmos a dominar a tecnologia - em vez de sermos dominados por ela."

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Caderno A4 conta-nos histórias sobre pedagogia. O livro é da autoria de Manuela Castro Neves e foi publicado pela Faktoria K (Kalandraka). É um livro muito inspirador para pessoas que trabalham na área da educação.

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Jardim de Infância para a vida toda é um livro de Mitchel Resnick que convida a pensar na educação e nos espaços de aprendizagem como jardins de infância. O autor é professor do MIT MEdia Lab e é aí que coordena o Grupo Lifelong Kindergarten.

Minha opinião sobre a maior invenção dos últimos anos? O jardim de infância. (p. 7)

A edição que tenho foi publicada pelo Grupo A Educação (Brasil). 

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Neurofitness traz-nos a perspectiva de um neurocirurgião, Rahul Jandal, sobre formas para potenciar o desempenho e libertar a criatividade. Cada vez mais dedico tempo a ler sobre o cérebro e sobre as funções cognitivas. Interessam-me muitos os tópicos relacionados com a linguagem e a criatividade e o livro dedica um capítulo a cada um deles. Há ainda um contributo sobre o cérebro biónico que se adequa muito a uma das oficinas que já dinamizei junto de crianças e jovens: "como sabes que não és um robot?" A edição portuguesa está a cargo da Contraponto. 

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Martim Sousa Tavares assina Falar piano e tocar francês, publicado na Zigurate. Um livro sobre arte, cultura e humanismo na era dos memes (quem o diz é o autor!). 

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O livro que gostaria que os seus pais tivessem lido de Philippa Perry interessa a pais e mães e também a quem, como eu, trabalha com crianças e jovens. A edição portuguesa encontra-se na Arena. 

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O indispensável da Mafalda, de Quino, está publicado na Iguana e é um livro indispensável, tal como diz o título. As tiras da Mafalda são provocadoras q.b. e têm o condão de nos roubar sorrisos. 

 

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Alguns destes livros são bastante perguntadores; outros são mais informativos e outros são puro deleite. Alguns livros acumulam estas três características. 

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Vai requisitar um destes livros à Biblioteca? Nesse caso não se esqueça de participar na iniciativa #AgoraÉsTuaLer.

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Espreite ainda as sugestões da Júlia Martins no blog RBE

19 de Julho, 2024

A Elegância do Ouriço

Autora: Muriel Barbery / Editorial Presença

joana rita sousa / filocriatividade

Júlia Martins #LivrosPerguntadores

 

Os livros perguntadores permitem o exercício da incerteza e da imaginação, suscitam o diálogo, dão acesso ao mundo das possibilidades e exigem que as pessoas leitoras se envolvam ativamente.

A Elegância do Ouriço é um desses livros! Ao lê-lo arriscamos iniciar um diálogo entre a literatura e a filosofia, conhecendo as suas interseções. Abraçamos temas como a solidão, a melancolia, o amor, o preconceito, a velhice, a amizade, a vida, a beleza, a morte, o sentido da vida, a fenomenologia, a arte, entre tantos outros temas favoráveis a um proveitoso diálogo.

Renée, a porteira humilde, rezingona, observadora perspicaz e autodidata, e Paloma, a jovem cáustica e inquieta, exemplificam a relevância do diálogo nas nossas vidas.

Ora individualmente, ora em conjunto, mergulham nas profundezas dos pensamentos, da observação e da inquietude e transformam conhecimentos da literatura, da arte e da filosofia em interrogações, na tentativa de melhor compreenderem o mundo e a si próprias. Renée e Paloma iniciam um diálogo de si para si e arriscam um diálogo improvável.

Afinal, o que terá uma porteira” raramente amável” de 54 anos e uma jovem inquieta de 12 anos para dialogar? Quantas Palomas conheceremos? E quantas pessoas que se cruzam connosco serão como a Renée?

Muitas são as perguntas de Renée e de Paloma, deixo-vos algumas:

_ O que é feito dos nossos sonhos de juventude?

_ O que é um aristocrata?

_ Que conhecemos nós do mundo?

_ Onde está a beleza?

_ O que é educar?

_ Sabem o que é insabido?

_ É possível possuir duas qualidades ao mesmo tempo?

 

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17 de Julho, 2024

Encontro Regional: Ler, escrever e contar a Liberdade

joana rita sousa / filocriatividade

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A convite do CFAE Beatriz Serpa Branco tive oportunidade de participar no Encontro Regional: Ler, escrever e contar a Liberdade com uma oficina sobre livros e perguntas.

A oficina destinava-se a professores/as bibliotecários/as e foi na sua companhia que pudemos dialogar sobre o papel dos livros e das perguntas na promoção da leitura em contexto de biblioteca escolar.

 

 

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