Matilde: vamos decidir juntos!
"Garantir a efetiva participação das crianças implica saber escutá-las." (Mary Katherine Martins e Silva)
O David Erlich é um professor de filosofia e um amigo que muito estimo. Por esse motivo estou atenta às suas crónicas semanais na Sábado. A crónica da semana passada toca um assunto que preocupa todas as pessoas que se encontram no contexto da educação: o uso do telemóvel na escola.
"Numa iniciativa de louvar, quis a direção do agrupamento em que trabalho auscultar a comunidade sobre medidas a adotar quanto ao uso de telemóveis nas escolas." (David Erlich, Sábado)
Concordo com o David: a iniciativa é louvável, pois convida a comunidade a pensar sobre as medidas a adoptar. Quis saber que comunidade é esta que foi chamada a pensar sobre o tema. Percebo que os docentes fazem parte da auscultação. Até arrisco dizer que o pessoal não docente também terá voto na matéria. E as crianças e os jovens?
Perguntei ao David se as crianças e os jovens foram convidados a pensar e a propor ideias sobre essa gestão do telemóvel na escola; o David respondeu que não sabia se isso teria acontecido. Caso venha a ter notícias sobre a participação das crianças e dos jovens nesta tomada de decisão actualizarei o artigo.
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Esta situação provocou-me algumas perguntas:
Afinal, que comunidade escutamos numa escola?
Que pessoas queremos incluir no processo de tomada de decisão?
Qual a razão para que as vozes das crianças e dos jovens não sejam contempladas e encaradas com seriedade?
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A propósito desta questão da escuta e da decisão, lembrei-me de um livro que tenho aqui na estante: Matilde: vamos decidir juntos! A Matilde teve uma ideia para o jardim da escola, partilhou-a a com a Lara. Decidiram apresentar a ideia na reunião com os colegas e a Sara. Trata-se de um momento do dia para decidir "o que queremos fazer hoje". Nesse dia, Matilde assume que vai dedicar-se ao desafio de pensar na sua ideia: uma cozinha de lama no jardim.
A ideia vai amadurecendo e há colegas que se juntam à Matilde e à Sara para imaginar essa cozinha de lama, para perceber como é que o projecto seria implementado e que materiais seriam necessários. Iriam envolver os pais, as mães e até outras pessoas da comunidade para que a ideia ganhasse forma. Antes disso, a ideia teria de ser apresentada em Assembleia para ser votada.
Esta história é um elogio às ideias e à participação das crianças no espaço da escola, bem como um lembrete de que as pessoas adultas devem dar espaço e tempo para essa participação. Diz-nos a autora do livro:
"Criar espaço para partilhar opinião, mesmo que as opiniões sejam divergentes, é importante para que a criança desenvolva a capacidade de olhar para os acontecimentos criticamente, de argumentar em defesa das suas ideias, negociar, escutar a opinião dos outros (respeitando-a), ampliando ferramentas que lhe vão servir durante toda a vida."
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Voltando à questão do uso do telemóvel nas escolas e assumindo que não tenho uma posição fechada sobre o assunto, pergunto: vamos escutar as crianças e os jovens nessa tomada de decisão? Há boas razões para o fazer? Como vamos realizar essa escuta? E o que vamos fazer com os resultados dessa escuta?
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Matilde é uma colecção da autoria da Mary Katherine Martins e Silva, publicada na Fábula (Penguin), destinada a crianças dos 2 aos 6 anos. O livro inclui um Guia da Leitura para Pais e Educadores que aborda de forma muito clara a importância da escuta das crianças, com algumas recomendações sobre como fazê-lo.