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filocriatividade | #filocri

filosofia para/com crianças e jovens | mediação cultural e filosófica | #ClubeDePerguntas | #LivrosPerguntadores | perguntologia | filosofia, literatura e infância

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30 de Maio, 2024

ecos das oficinas Liberdade para Discordar

joana rita sousa / filocriatividade

 

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A discórdia e o desacordo como elementos essenciais da democracia

Desde 2023 que as oficinas #LiberdadeParaDiscordar viajam pelo país e convidam crianças e jovens a parar, pensar, escutar, dialogar e... discordar.

Regra geral, o consenso surge como algo que se estima e que se procura num diálogo. Há até quem defenda que "não vale a pena iniciar um diálogo quando se sabe que não vamos conseguir consenso." Outras pessoas defendem que é importante ter uma certa atitude no diálogo para que possamos "discordar com respeito".

 

A PhiE facilitator does not try to bring a group to consensus as a point of principle (…) or to draw all members of the community towards an agreed group-answer (…), but actively seeks out the dissenting views, allowing the awkward questions to be asked, welcoming controversy, and including the “annoying kid at the back of the class.

(Worley P (2021) Corrupting youth: how to facilitate philosophical enquiry, vol 2. Rowman & Littlefield, Lanham, p. 34)

 

Sobre este tema tive oportunidade de escrever num artigo em co-autoria com Pieter Mostert, publicado na Springer: 

 

Dissent (in the sense of not agreeing with what the majority thinks) empowers a dialogue, but it does more, it plays an essential role in democracy and should therefore be encouraged and protected.

"Dissent is essential in a democracy. If a country has to grow in a holistic manner where not only the economic rights but also the civil rights of the citizen are to be protected, dissent and disagreement have to be permitted, and in fact, should be encouraged. It is only if there is discussion, disagreement and dialogue that we can arrive at better ways to run the country." (Gupta)

(Sousa, J.R., Mostert, P. (2023). Why Vote? A Reflection on the Democratic Nature of Dialogical Inquiries. In: Mancenido-Bolaños, M.A.V., Alvarez-Abarejo, C.J.P., Marquez, L.P. (eds) Cultivating Reasonableness in Education. Integrated Science, vol 17. Springer, Singapore.)

 

Como surgiram as oficinas?

A origem destas oficinas remonta ao ano lectivo 2021/2022 quando desenvolvi um projecto em parceria com a Biblioteca Escolar da Venda do Pinheiro (Centro de Recursos Poeta José Fanha)  e trabalhámos o livro Discórdia, de Nani Brunini (Pato Lógico). No decorrer dessas oficinas surgiram várias perguntas sobre a discórdia e sobre o consenso. Chegámos mesmo a criar um "Manual do Consenso". 

Num mundo polarizado e no qual somos chamados a dar opiniões a todo o momento, urge aprender a discordar. Também nos parece sensata a atitude de praticar o "menos opiniões, por favor" evitando assim partilhar uma opinião não fundamentada ou pouco informada. 

Procurar ter por perto quem concorda connosco é uma atitude, no mínimo, humana. O problema que o viés de confirmação nos apresenta é a criação de uma bolha que poderá desfocar a realidade. 

 

Oficinas para celebrar os 50 anos do 25 de Abril 

A propósito das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, as oficinas #LiberdadeParaDiscordar já viajaram por Abrantes, Sines, Braga, Barreiro, Benfica, Vila Nova de Milfontes, Loures, Santo António dos Cavaleiros, Évora, Tondela, Ponte de Lima, Oeiras, entre outros destinos. 

O grande propósito destas oficinas é o de criar um tempo e um espaço para praticarmos a discórdia, com a ajuda de ferramentas filosóficas, cultivando uma atitude de escuta e de respeito para com a vez de fala de cada pessoa que contribui para o diálogo. 

 

*

Estas e outras oficinas estão prontas para viajar até à sua escola ou biblioteca escolar, bem como a um centro de estudos ou outro espaço que possa acolher os diálogos filosóficos. Se pretende saber mais sobre a possibilidade da filocriatividade visitar a sua escola/biblioteca pf preencha este formulário. A agenda para os meses de verão e para o próximo ano lectivo já se encontra aberta. 

24 de Maio, 2024

liberdade e ponto final

- oficinas de filosofia a partir do livro A Magia dos Sinais, de José-Alberto Marques

joana rita sousa / filocriatividade

 

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Será que o ponto de interrogação é mais livre do que o ponto final?

Que lugar há para as reticências no nosso pensamento?

Nesta oficina tivemos a oportunidade de brincar com o sentido das perguntas e das afirmações, das exclamações e das ideias por terminar, convidando as pessoas participantes a parar, pensar, escutar e dialogar.

 

Biblioteca Municipal António Botto

(Caminhos Literários / Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974)

 

 

22 de Maio, 2024

sugestões para a feira do livro

joana rita sousa / filocriatividade

A Feira do Livro de Lisboa abre portas no dia 29 de Maio. Até ao dia 16 de Junho é possível conhecer novidades, comprar livros, deliciar-se com farturas, conhecer autores e autoras ou assistir a conversas, entre outras coisas.

 

A este próposito gostaria de partilhar consigo algumas sugestões para a sua lista de compras.

 

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Para quem quer aprender sobre a história da filosofia

Além das histórias da filosofia mais convencionais (como a proposta de Antony Kenny, publicada na Gradiva), poderá ler Grandes Ideias para Mentes Curiosas (The School of Life, Minotauro), O que é a filosofia? (António de Castro Caeiro, Tinta-da-China), A bebedeira de Kant (David Erlich, Planeta de Livros), Grande História Visual da Filosofia de Masato Tanaka e Tetsuya Saito (Marcador) e O Mundo de Sofia de Jostein Gaarder (novela gráfica, Elsinore).

Recomendo que estas obras sejam equilibradas com a leitura de Filósofas, de Fabiana Lessa e Natasha Hennemann para que não fique com a ideia de que as mulheres não tiveram contributos para a  filosofia.

 

Para quem quer aprender sobre filosofia para/com crianças e jovens

Brincar a Pensar (Dina Mendonça e Maria João Lourenço, Plátano Editora), A Máquina dos Ses (Peter Worley, Edições 70), Como educar um filósofo (Scott Hershovitz, Lua de Papel) são algumas das minhas sugestões para quem tem curiosidade sobre a área da filosofia para/com crianças e jovens.  

 

Para quem procura #LivrosPerguntadores 

São muitos os #LivrosPerguntadores que passam aqui pelo blog e pela newsletter, livros para crianças, jovens ou pessoas adultas. Ora tome nota:

- A caveira, de Jon Klassen (Orfeu);

- Gato comum, de Joana Estrela (Planeta Tangerina);

- Faz diferença, de Jacinto Lucas Pires e Alice Piaggio (Bruáa Editora);

- Quem mora cá dentro?, de Marcello Turconi e Allegra Agliardi (Lilliput);

- Por exemplo, uma rosa, de Ana Pessoa e Madalena Matoso (Planeta Tangerina);

Há mais #LivrosPerguntadores "à solta" aqui no blog. Para tal, basta pesquisar AQUI.

 

Boas compras! 

 

22 de Maio, 2024

argumento, premissa, conclusão e exemplo

joana rita sousa / filocriatividade

 

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"Os alunos sustentam a argumentação com exemplos e não dão argumentos", dizia uma professora numa formação. 

Nas aulas de Português treina-se a argumentação e trabalha-se o texto de opinião. Importa deixar bem claro o que siginifica argumentar, o que compõe um argumento e para que serve um exemplo no meio de tudo isso. 

 

"De acordo com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, "as competências na área do Pensamento Crítico requerem observar, identificar [e interpretar], analisar e dar sentido à informação, às experiências e às ideias e argumentar a partir de diferentes premissas [ou proposições (informações, dados, ou conteúdos que servem de base a um raciocínio) e variáveis. (...) Os alunos observam, analisam e discutem ideias, processos ou produtos centrando-se em evidências (Martins et al., 2017, p. 24)".

via Lopes, J. P. e Silva H. S. Pensamento Crítico e Criativo, pp. 109-110

 

O processo de argumentação pode ser entendido como um actividade na qual temos a oportunidade de apresentar ideias distintas e de as confrontar entre si. 

Nesse processo temos a oportunidade de identificar a ideia principal que defendemos e a(s) ideia(s) secundária(s) que a suportam (ou seja, o argumento em si mesmo), de ilustrar as nossas ideias com exemplos, de contemplar possíveis refutações e considerar hipóteses de respostas a objecções. 

O argumento é composto por uma conclusão (a ideia principal que defendemos) e uma ou mais premissas que suportam a conclusão (a ideia ou as ideias secundárias). Imagine  que o argumento é uma casa, que a conclusão é o telhado e que a premissa ou premissas são a estrutura onde assenta o telhado:

 

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Se não houver premissa ou premissas, o telhado não se aguenta e cai. Não há argumento. Mesmo que haja exemplos.

O exemplo é uma ilustração das nossas ideias. Ajuda-nos a tornar mais claro o que estamos a dizer e aproxima uma ideia abstracta do concreto. 

Passo a exemplificar (sim, vou dar um exemplo do que é um exemplo): 

A filosofia para/com crianças é importante, pois permite a prática do diálogo, bem como criar um ambiente onde professores e alunos podem pensar colaborativamente. Um exemplo desse ambiente é aquele que encontrei na turma X.  Nessa turma, tanto os alunos como os professores, perguntavam e arriscavam respostas sobre a ideia "eliminar a comida de origem animal das cantinas das escolas." Tanto os professores como os alunos apresentaram dúvidas sobre elementos mais científicos do problema, como a necessidade de proteína diária para um ser humano. 

Conclusão: A filosofia para/com crianças é importante

Premissa 1: permite a prática do diálogo

Premissa 2: (permite) criar um ambiente onde professores e alunos podem pensar colaborativamente

Exemplo da premissa 2: Nessa turma, tanto os alunos como os professores, perguntavam e arriscavam respostas sobre a ideia "eliminar a comida de origem animal das cantinas das escolas." Tanto os professores como os alunos apresentaram dúvidas sobre elementos mais científicos do problema, como a necessidade de proteína diária para um ser humano. 

 

*

 

Recomendações para pensar em argumentos, argumentação e pensamento crítico:

RTP Ensina - tese e argumento

Responsabilidade cognitiva e pensamento crítico

É possível ensinar pensamento crítico nas escolas? 

8 práticas que promovem o pensamento crítico na sala de aula

 

📷 Bárbara Monteiro, Oeiras Ignição Gerador 2024

 

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20 de Maio, 2024

Matilde: vamos decidir juntos!

joana rita sousa / filocriatividade

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"Garantir a efetiva participação das crianças implica saber escutá-las." (Mary Katherine Martins e Silva)

 

O David Erlich é um professor de filosofia e um amigo que muito estimo. Por esse motivo estou atenta às suas crónicas semanais na Sábado. A crónica da semana passada toca um assunto que preocupa todas as pessoas que se encontram no contexto da educação: o uso do telemóvel na escola. 

"Numa iniciativa de louvar, quis a direção do agrupamento em que trabalho auscultar a comunidade sobre medidas a adotar quanto ao uso de telemóveis nas escolas." (David Erlich, Sábado)

Concordo com o David: a iniciativa é louvável, pois convida a comunidade a pensar sobre as medidas a adoptar. Quis saber que comunidade é esta que foi chamada a pensar sobre o tema. Percebo que os docentes fazem parte da auscultação. Até arrisco dizer que o pessoal não docente também terá voto na matéria. E as crianças e os jovens?

Perguntei ao David se as crianças e os jovens foram convidados a pensar e a propor ideias sobre essa gestão do telemóvel na escola; o David respondeu que não sabia se isso teria acontecido. Caso venha a ter notícias sobre a participação das crianças e dos jovens nesta tomada de decisão actualizarei o artigo. 

*

Esta situação provocou-me algumas perguntas:

Afinal, que comunidade escutamos numa escola?

Que pessoas queremos incluir no processo de tomada de decisão?

Qual a razão para que as vozes das crianças e dos jovens não sejam contempladas e encaradas com seriedade? 

 

*

 

A propósito desta questão da escuta e da decisão, lembrei-me de um livro que tenho aqui na estante: Matilde: vamos decidir juntos! A Matilde teve uma ideia para o jardim da escola, partilhou-a a com a Lara. Decidiram apresentar a ideia na reunião com os colegas e a Sara. Trata-se de um momento do dia para decidir "o que queremos fazer hoje". Nesse dia, Matilde assume que vai dedicar-se ao desafio de pensar na sua ideia: uma cozinha de lama no jardim. 

A ideia vai amadurecendo e há colegas que se juntam à Matilde e à Sara para imaginar essa cozinha de lama, para perceber como é que o projecto seria implementado e que materiais seriam necessários. Iriam envolver os pais, as mães e até outras pessoas da comunidade para que a ideia ganhasse forma. Antes disso, a ideia teria de ser apresentada em Assembleia para ser votada.

Esta história é um elogio às ideias e à participação das crianças no espaço da escola, bem como um lembrete de que as pessoas adultas devem dar espaço e tempo para essa participação. Diz-nos a autora do livro:

"Criar espaço para partilhar opinião, mesmo que as opiniões sejam divergentes, é importante para que a criança desenvolva a capacidade de olhar para os acontecimentos criticamente, de argumentar em defesa das suas ideias, negociar, escutar a opinião dos outros (respeitando-a), ampliando ferramentas que lhe vão servir durante toda a vida."

 

*

 

Voltando à questão do uso do telemóvel nas escolas e assumindo que não tenho uma posição fechada sobre o assunto, pergunto: vamos escutar as crianças e os jovens nessa tomada de decisão? Há boas razões para o fazer? Como vamos realizar essa escuta? E o que vamos fazer com os resultados dessa escuta?

 

*

Matilde é uma colecção da autoria da Mary Katherine Martins e Silva, publicada na Fábula (Penguin), destinada a crianças dos 2 aos 6 anos. O livro inclui um Guia da Leitura para Pais e Educadores que aborda de forma muito clara a importância da escuta das crianças, com algumas recomendações sobre como fazê-lo. 

 

 

 

20 de Maio, 2024

Gato Comum, de Joana Estrela

joana rita sousa / filocriatividade

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Gato Comum faz parte da colecção Dois Passos e Um Salto da Planeta Tangerina, pensada para adolescentes e "outros leitores mais crescidos".

Trata-se de uma das minhas colecções preferidas de sempre e cujos livros me têm acompanhado em vários Clubes ou Comunidades de Leitura.

Joana Estrela é a autora deste livro que nos fala do Manel, o gato da família que vai adoecer e exigir da família uma decisão difícil.

Quem já teve animais domésticos, cão ou gato, certamente já passou pela decisão difícil de eutanasiar ou não um animal em sofrimento. Nesses momentos somos confrontadas com a ideia que temos de qualidade de vida e com a ideia que temos de sofrimento, bem como com aspectos práticos relacionados com o processo da eutanásia em si.

É mais fácil ou mais difícil quando o gato é jovem? Como acontece a eutanásia? O gato sofre? O que fazemos com o corpo do animal? Devo estar presente nesse momento ou sair do gabinete da veterinária?

São várias as perguntas que surgem quando a veterinária nos diz que não há nada a fazer ou que já esgotámos as opções medicamentosas sem sucesso. Somos confrontadas com a morte e acresce que somos convidadas a decidir entre a vida e a morte. 

O Manel tem a mesma idade da narradora da história, a Cristina. Aos 17 anos, Manel é já um gato idoso; já Cristina encontra-se na flor da idade. É uma adolescente que viveu sempre no mesmo quarto e que se vê confrontada com o desacordo dos pais face à decisão de eutanasiar o Manel. 

Gato Comum faz parte dos meus livros que permitem o diálogo sobre o tema do luto e o tema da morte, além do tema da eutanásia.

Falar da morte é falar da vida. 

*

Foram várias as perguntas que este livro me perguntou

- Como se prepara alguém para a morte?

- A morte é uma solução?

- A morte é um problema?

- Com que idade estamos prontos para morrer?

- Com que idade estamos prontos para viver?

- O sofrimento é necessário?

- Celebrar a morte é celebrar a vida?

 

Gato Comum, de Joana Estrela tem o "carimbo" dos #LivrosPerguntadores.

 

 

14 de Maio, 2024

A bebedeira de Kant - livro de David Erlich

joana rita sousa / filocriatividade

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Neste livro David Erlich propõe-nos uma viagem pela história da filosofia tendo como fio condutor o pensamento e episódios de vida das pessoas filósofas que nos fazem (sor)rir.

 

A bebedeira de Kant apresenta-se como uma porta de entrada para conhecer 50 nomes que fazem parte da história da filosofia, muitos homens e algumas mulheres. Afinal, o silenciamento das vozes e das ideias das mulheres filósofas desagua no desconhecimento das suas propostas filosóficas, bem como de episódios para pensar e sorrir. As mulheres filósofas estão de alguma forma representadas na pessoa da serva trácia que descreve Tales de Mileto com humor. 

 

O humor tem o seu quê de filosófico por nos convidar a (re)pensar a noção do óbvio. A filosofia convida ao espanto em torno das coisas que nos parecem óbvias e isso é algo que faz sorrir e até mesmo rir. Rir das outras pessoas e também de nós.

 

As pessoas com quem mais gosto de filosofar têm algo em comum com os nomes que habitam este livro: fazem-me sorrir. Quando uma criança de 10 anos diz “a tristeza faz de nós pessoas melhores, porque te prepara para encarar a vida e a vida não tem só coisas felizes”, eu sorrio. Quando uma criança diz: "nesta oficina transformámos coisas que não têm importância num assunto", eu sorrio.

 

Para filosofar, sorrir e rir ou, à maneira socrática, para poder parir ideias e perguntas e para arriscar respostas é necessário que a pessoa esteja de algum modo grávida da disponibilidade para filosofar e (sor)rir. Creio que este livro nos ajuda a praticar essa disponibilidade. Obrigada por isso, David.

 

A bebedeira de Kant - publicado na editora Planeta de Livros

[leia AQUI uma entrevista a David Erlich]

 

13 de Maio, 2024

os registos das oficinas de filosofia

joana rita sousa / filocriatividade

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as evidências, o telemóvel na mão e duas perguntas

"Preciso de evidências das oficinas", disse-me uma professora depois de lhe pedir que não fotografasse ou filmasse as oficinas de filosofia.

Surgiu-me uma pergunta: as fotografias ou filmes são as únicas formas de registo de que dispomos?

Outra pergunta: O que estão os professores a modelar quando passam as oficinas de telemóvel na mão para registar evidências?

 

que tipo de evidências podemos recolher?

Nem tudo o que é evidência se resume a fotografias ou vídeos registados durante a actividade. Uma vez de volta à sala, a professora pode pedir à turma que mencione o que considerou mais curioso na actividade e registar as suas ideias através de post its que se colam no quadro. Esses post-its podem depois ser fotografados e guardados tanto em formato físico como digital.

Uma outra sugestão passa pela criação de um diário de turma onde possam ser registados aspectos relevantes do quotidiano da turma. Podemos começar este diário no primeiro dia de aulas e recorrer a esse documento sempre que temos algo de relevante a assinalar. Imaginando que é um diário físico, podemos recorrer a um caderno A4 ou a folhas A3 para ir registando ideias por escrito, colando recortes ou fotografias que se imprimem. Algumas sugestões de critérios para registo nesse diário de turma:

- uma actividade que fizeram pela 1.ª vez;

- uma ideia nova partilhada na sala de aula;

- uma dificuldade registada em sala;

- uma pergunta relevante que surgiu na sala;

- detalhes relevantes da visita de estudo;

- entre outros. 

Também podemos pedir aos alunos e às alunas que registem uma coisa que tenham aprendido, outra que tenham gostado, outra que não tenham gostado e ainda uma sugestão de melhoria.

Não é obrigatório que todas as crianças participem sempre neste diário; pode ser uma participação voluntária ou com uma ordem de participação definida. Talvez a ordem alfabética seja a forma mais simples de criar essa forma ordenada de participação.

 

Outra forma de recolher evidências durante as oficinas #filocriatividade (ou outras): leve um caderno consigo, sente-se e tire notas. Acredito que durante a hora da actividade poderá suspender de alguma forma o seu papel de professora ou de professor,  podendo dedicar-se inteiramente à escuta das ideias que as crianças ou os jovens vão partilhando. Aproveite para desfrutar do diálogo. As notas que tirar podem dar origem a um pequeno texto ou mapa de ideias que serve de evidência. 

 

lembre-se: não é evidente que haja autorização para fotografar

Vamos assumir que os professores estão a agir segundo o Regulamento Geral da Protecção de Dados e a respeitar as autorizações dos Encarregados de Educação relativamente aos registos dos educandos; não faltará ainda perguntar às pessoas que estão a dinamizar oficinas se estão confortáveis com as fotografias? Refiro-me não só a fotografias da sua pessoa, mas também do seu trabalho. 

Portanto, pergunte sempre à pessoa que está a dinamizar a actividade se está confortável com o registo fotográfico, áudio ou vídeo. Não é evidente que esteja. 

 

*

Outros artigos de interesse:

criar o seu diário de perguntas

/ iniciativa #perguntarolugar

/ ecos das aulas de filosofia

/ The Enquiry Diary

09 de Maio, 2024

matar o "mas"

joana rita sousa / filocriatividade

 

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Recentemente li o livro Ler o Mundo, de Michèle Petit, recomendado num dos encontros do Clube de Leitura Arco da Velha, dinamizado pela Andreia Salgueiro.

A recomendação veio mesmo a calhar pelo facto de me ter ajudado a pensar nos conteúdos do ciclo de oficinas sobre Filosofia, Literatura e Infância na BIJ, em Cascais (mais informações neste link).

 

Gostaria de destacar uma passagem que fala da morte do “mas”. O “mas” aparece muito nos diálogos filosóficos e nas conversas que temos todos os dias. Dizia-me uma criança, há uns anos, que aquilo que queremos mesmo dizer vem depois do “mas”: “joana, a primeira parte da frase é só para ser simpático, depois do mas é que vem mesmo o que queremos dizer.”  Desde então tenho procurado prestar muita atenção aos “mas” que digo e aos “mas” que oiço.

Confesso: apetece-me matar alguns “mas”.

 

“Quando, por acaso, descobri esta feira, houve um pormenor que me intrigou: no meio de cada bricabraque havia sempre uma maçã trespassada por uma tesoura. Por vezes, encontrava-se em lugares insólitos: um anjinho barroco, suspenso por um fio de uma árvore sobre toda aquela miscelânea, lançava uma flecha… em que a maçã estava espetada. Acabei por interpelar uma estudante que encontrei sentada nos degraus de uma igreja. Olhou para mim, divertida:

Ah, reparou na maçã? No entanto, escondemo-la sempre um bocadinho… Sabe, aqui, a uma maçã chamamos um pero [que em castelhano significa também “mas”]. E a vida, o que é? É sempre: “Amo-te, és tudo para mim, mas deixar a minha mulher, com as crianças, nem penses!” Ou então: “Aquela mulher é linda, tem uma tez de pérola, mas o seu nariz…”

Então, durante a Festa, uma ver por ano, matamos o pero, matamos o “mas”.  

(Michèle Petit, Ler o Mundo, pp. 128-129)