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No meu bairro é um livro perguntador e não me refiro aos pontos de interrogação que encontramos no seu texto. É um livro perguntador por me ter provocado esta pergunta: como é a experiência de ler um livro em linguagem neutra?
A curiosidade levou-me lê-lo assim que me chegou às mãos.
Devorei cada uma das páginas e dei por mim a pensar como escrevo habitualmente e como escreveria usando a linguagem neutra. Também experimentei a leitura em voz alta.
Soa a algo estranho, tal como acontece quando estamos perante algo que não conhecemos. É estranho. Não temos este hábito. À nossa volta, poucas pessoas têm esse hábito. É estranho.
Essa estranheza basta para que eu rejeite este livro? Não.
Essa estranheza basta para que eu rejeite a ideia da linguagem neutra? Também não.
A linguagem neutra é um tema sobre o qual tenho pensado de forma superficial e que merece um aprofundamento da parte das pessoas que, como eu, trabalham com crianças e jovens. A Lúcia refere na introdução que o livro foi pensado para a disciplina de Cidadania para a qual faltam materiais para uso em sala. É também na introdução que podemos ler:
Es leitorus adultes poderão, inicialmente, estranhar o uso deste sistema. É compreensível. Já as crianças, quanto mais cedo tiverem acesso a uma linguagem inclusiva, mais rápida e facilmente a incluirão no vocabulário quotidiano. Os livros são uma excelente ferramenta para a normalização de uma linguagem que represente de igual forma todas as pessoas.
Imaginei-me a ler este livro em voz alta com um grupo de crianças ou de jovens. Imaginei-me a dar a ler este livro a crianças e a jovens.
Como irão reagir?
Não sei ao certo.
Imagino que algumas crianças apontem a estranheza que eu própria senti. Outras podem rir ou levantar o sobrolho. Algumas podem não dar por nada. Seja como for temos aqui um trampolim literário para criar caminhos de diálogo.
No Meu Bairro é composto de pessoas diferentes entre si: "Maria Miguel quer descobrir o seu papel", "Pilar não sabia em que acreditar", "Emanuel e o lápis cor de pele." São várias as temáticas que podemos topar nestas páginas, nas quais a ilustração cria um ambiente acolhedor. A ilustração é pontuada por pormenores "com a máxima importância".
O texto segue em poema, o que dá musicalidade e alivia o peso que se pode sentir quando se aborda a história de alguém que é migrante ou que sofreu racismo. Cada história é um poema, cada poema é uma vida, cada vida tem um rosto.
Identidade de género, diversidade familiar, orientação sexual, racismo, feminismo, os direitos das pessoas com deficiência, a imigração são temas são difíceis e têm de entrar nas nossas agendas de diálogo. É bom encontrar estes temas na literatura infantil e juvenil, numa literatura que não se deixa aprisionar pelo gugudadismo.*
Na página 32 encontramos o Manual de Apoio para Educar Pessoas Conscientes, Empáticas e Respeitadoras das Individualidades e das Diversidades. Será certamente muito útil para quem tem dúvidas sobre o que é a identidade de género, entre outros termos ou expressões sobre os quais é legítimo ter dúvidas.
Admito que a temática da inclusão e da diversidade possa ser um problema para as pessoas adultas que lidam com crianças e jovens precisamente por terem dúvidas, por não saberem o que dizer ou como responder.
Não faz mal ter dúvidas. Não há problema algum em ter dúvidas: só temos de fazer algum para superar essas dúvidas. Este livro dá uma preciosa ajuda.
Podemos ler este livro e não adoptar a linguagem neutra. O livro não nos obriga a isso. Não perguntei à Lúcia, nem ao Tiago, mas imagino que não pretendam obrigar as pessoas a adoptar esta linguagem. Imagino que a Lúcia e o Tiago queiram dar um contributo precioso e revolucionário para pensar sobre a linguagem neutra, sobre a inclusão e a diversidade.
Espero que as pessoas leitoras deste blog possam dar uma oportunidade a este livro, um livro com o qual também se aprende, através do qual se pode tirar dúvidas.
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Lúcia Vicente (texto) e Tiago M. (ilustração) assinam este livro publicado na Nuvem de Letras (Penguin). O texto foi redigido com base num sistema gramatical neutro, com base na proposta ELU. No final do livro podemos encontrar referências para pesquisar sobre este sistema.
* A pessoa gugudadista é aquela que considera que há palavras que não devem fazer parte dos livros para crianças. Para saber mais sobre o gugudadismo e as palavras-brócolos, espreite este artigo.
[se pretende comprar este livro considere fazê-lo na wook, entrando na livraria online através do meu link afiliados. desta forma está a apoiar a filocriatividade e os conteúdos que aqui partilho. obrigada.]