give philosophy a chance
um ano depois, volto a ser convidada pela AEFCM (Associação de Estudantes da NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas) para falar de filosofia.
o apelo é claro: "give philosophy a chance". a pergunta que se segue: porquê?
vou elencar três motivos para que os alunos desta Faculdade - e qualquer pessoa leitora deste artigo - considerem a filosofia nas suas vidas: a obsessão pela transparência, a pergunta e a resposta.
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filosofia: obsessão pela transparência
num curso sobre filosofia no CCB, o professor António de Castro Caeiro refere um outro sentido para a filosofia, diferente do carimbo de pensamento amor pela sabedoria.
"a palavra sofia quer dizer transparência. o saber prático resulta de uma resolução da opacidade numa determinada actividade. aquilo que filosofia quer dizer em platão (...) é um saber prático que lida com a opacidade e a filia quer precisamente dizer uma obsessão pela transparência, via opacidade." (transcrição de parte do ep. podcast)
nesse mesmo episódio de podcast, Caeiro sublinha a actividade prática da filosofia, um saber que é fazer - e quem não sabe, não faz. a pessoa filósofa é uma pessoa que entende de uma determinada matéria.
filosofia remete para uma obsessão pela transparência - algo que não abona muito a favor das pessoas filósofas, devo dizer. somos pessoas de ideias fixas, no sentido de procurar resolver a opacidade e obter a informação mais clara, resolver os problemas identificando as suas variáveis. no caso dos médicos, estes profissionais procuram o diagnóstico mais afinado, procuram resolver o problema do paciente, procurando a transparência dos sintomas, trançando a causa ou sem sintomas procura identificar a doença (ainda estou a fazer uso das palavras de Caeiro).
a filosofia procura identificar os problemas e traçar um caminho para resolver esses problemas. há algo mais quotidiano do que isto?
filosofia: a arte de fazer perguntas
o processo de identificação de problemas acontece por meio de perguntas (e de respostas, mas já lá vamos). ora, ainda que a pergunta seja uma ferramenta de todos os dias ("olá, como estás?"), nem todos sabemos o que e como perguntar - sobretudo quando estamos a procurar diagnosticar um problema.
continuando a falar das pessoas que trabalham em medicina, é bastante diferente perguntar a um paciente: "o seu intestino funciona bem?" ou "pode indicar-me quantas vezes o seu intestino funciona, por dia?". a primeira pergunta é vaga e necessitaria de uma explanação do que significa "funcionar bem" (do ponto de vista do intestino). a segunda pergunta é mais clara naquilo que procura: indique-me o n.º de vezes e depois podemos falar de um bom ou mau funcionamento.
a filosofia ajuda-nos a contemplar a pergunta e a compreender o que queremos saber ao fazer as perguntas, que respostas procuramos. nem todas as perguntas perguntam o mesmo - o contexto também é fundamental para compreender o alcance da pergunta e aquilo que se lhe segue.
filosofia: a arte de arriscar respostas
a resposta surge como uma proposta de resolução de transparência. perante aquela pergunta que me apresenta um problema, arrisco algo que o pode resolver, que o pode tornar mais transparente. nem todos os problemas têm soluções: há alguns problemas que nos colocam em estado de aporia, sem um caminho claro a seguir.
talvez isto fosse suficiente para voltar atrás e evitar a pergunta.
não temos respostas para todas as perguntas que nos incomodam. ao longo da nossa vida, mudamos a resposta para uma mesma pergunta. ao longo da história da humanidade, avaliamos e revemos várias respostas a uma mesma pergunta.
será que vale a pena? se não conseguimos resolver esta opacidade, que sentido tem persistir no perguntar e no responder?
(19:40 / 24:00)
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