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uma aldeia de seu nome Filosofia
[para falar de Kant, recupero esta crónica que escrevi, em tempos, sobre as minhas aventuras numa aldeia chamada Filosofia]
Há dias deparei-me com uma cena que, não sendo inédita para mim, não deixa de me causar asco. Um senhor, sentado no interior do seu carro, estacionado, saca de uma pastilha do interior de uma caixa. Abre a porta do carro e lança a caixa no chão. Eu passava e ia, curiosamente, em direcção ao ecoponto. Parei, peguei na caixa e bati no vidro: desculpe, deixou cair isto. Ele, espantado, abriu a porta e disse um ah sim, obrigado.
Ambos assumimos o papel de poetas (não é o poeta o maior fingidor?): ele fingiu que tinha deixado cair uma caixa (vazia) de pastilhas para o chão e eu fingi que estava convencida de que tudo não passou de uma distracção.
Quem me conhece sabe que o meu carro anda sempre com lixo. Note-se, somente lixo imperecível, como as caixas de pastilhas vazias. Quem não me conhece fica, desde já, avisado. E muitos tentam explicar isso como «ah e tal as mulheres e os carros». Pois desenganem-se. O género não é para aqui chamado. Esta postura radica no ensinamento que o vizinho da rua de baixo partilhou comigo, em tempos: age como se a máxima da tua acção devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal. Neste caso, age como se não quisesses ver o mundo transformado numa grande lixeira. No limite, circunscreves essa lixeira ao teu carro. E não a partilhas com a humanidade.
Esse meu vizinho, Kant, partilhou comigo alguns dos seus escritos sobre ética. Disse-lhe que Fundamentação da Metafísica dos Costumes seria um título um pouco longo e que provavelmente não teria possibilidade de competir, nas livrarias, com títulos como Sei lá, Anjos e demónios e Férias em Saint Tropez. Assim não vais vender nada, Immanuel, confessei, enquanto bebíamos um chá verde.
O Kant é um bom rapaz: metódico, racional, crítico. Uma vez vi-o sorrir: ele apanhou-me no largo da igreja, aqui, na aldeia, a saltar à corda com o Pitágoras. Riu-se porque o Pitágoras se enganou a contar. Mas desses saltos falamos num outro dia. Tenho um banquete daqui a nada, com um vizinho que se mudou agora para a rua de cima. Chama-se Sócrates. E ainda tenho que passar no supermercado para escolher um vinho. Até à próxima, malta.
sugestões de leitura:
obras de Immanuel Kant, publicadas em português: Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Crítica da Razão Prática, Crítica da Razão Pura e Crítica da Faculdade do Juízo.
- numa linha académica, o professor Leonel Ribeiro dos Santos é um dos investigadores portugueses que se dedicou muito ao estudo de Kant.
- recomendo a leitura da obra Janelas para a Filosofia, de Aires Almeida e Desidério Murcho.
o audio deste episódio está disponível no twitter, basta clicar AQUI. e não é preciso ter conta no twitter para ouvir!