recomendações de leitura sobre filosofia
- filosofia para todos
fonte: Plano Nacional de Leitura
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fonte: Plano Nacional de Leitura
Na última aula do curso Em Defesa da Sociedade, no Collège de France, no dia 17 de março de 1976, exatamente uma semana antes de mais terrível Golpe de Estado na Argentina que semana passada fez 44 anos, Michel Foucault descrevia o trânsito do poder da soberania ao biopoder como um trânsito do “fazer morrer e deixar viver” a um “fazer viver e deixar morrer” (FOUCAULT, 2006, p. 285ss.). O trânsito supõe, por um lado, uma espécie de privatização da morte; por outro, uma intervenção cada vez mais forte nas maneiras de viver, no como se vive, da população europeia. Com a expansão do capitalismo a escala planetária, essa tecnologia de poder sobre a vida da população se expande e torna mais precisa: ela é, ao mesmo tempo, uma forma de vida e uma forma de intervenção sobre a vida, uma espécie de dispositivo de capitalização da vida em praticamente todos os rincões do planeta. Em certo sentido, também intervém sobre a morte, como fica evidente na atual pandemia de COVID-19 na Itália do norte: é preferível salvar os que tem mais vida capitalizável e deixar morrer os mais velhinhos, improdutivos, apenas um “custo” para os sistemas. Nessa lógica, a pandemia é uma oportunidade de limpar o sistema de vidas improdutivas e onerosas e, assim, otimizá-lo. De fazer viver ao produtivo e deixar morrer ao improdutivo, mais do que nunca. Talvez isso esteja na cabeça da política genocida de Bolsonaro e sua trupe contra o isolamento social e a favor de que a economia não pare: uma “limpeza” social.
Nessa mesma Itália desenvolvida, nas condições atuais de confinamento, o que prima, diz Agamben, é a morte e a vida nuas. A morte reduzida a si mesma: a dos seres queridos sem sequer um funeral ou um enterro, a pura morte, o corpo largado no corredor do hospital ou no féretro nos caminhões do exército à busca do fogo que o faça ocupar o menor lugar possível. A vida também fica reduzida a sua forma mais nua: trata-se de preservar a vida antes de mais nada, sobreviver a qualquer preço, sacrificando tudo a não ser a própria vida: as relações sociais, a amizade, os afetos, a vida pública e comum. Tudo pode se perder, menos a vida. Mas a vida que se salva é uma vida sem nada, confinada, dobrada até ela mesma e nada mais. Enquanto o medo não deixa pensar senão na própria sobrevivência, a vida fica nua do que lhe outorga sentido. Salvam-se, em primeiro lugar, as vidas que poderão voltar a ser produtivas, capitalizadas, aproveitadas pelo sistema despojadas já do que as torna esta e não outra vida. São apenas vidas nuas, a-nudadas ao sistema de produção.
É verdade, o atual momento é assustador. A epidemia do covid-19 deixa mortes e mais mortes. Mas o que assusta não é só o vírus quanto os modos de vida que estão sendo, ainda mais, afetados e confinados, mesmo aqueles não afetados pelo vírus. O que mais assusta é a perspectiva de que tudo no combate ao vírus é feito em nome do retorno ao normal e que o separador de águas entre a forma que os governos respondem à pandemia é justamente o caminho para voltar ao normal, seja mantendo ele a qualquer preço - como nos casos mais irresponsáveis e criminais, como Trump e Bolsonaro, mas também mais sofisticados como Suécia - ou extremando o confinamento para um enfrentamento mais eficaz ao vírus que permita uma volta menos traumática ao normal. O Brasil é um caso especial pela idiotice e irresponsabilidade do seu presidente e do grupo em torno dele que fará que o normal se leve consigo muitas vidas desprotegidas e descuidadas. A questão não é nova, é verdade, mas a brutalidade e sarcasmo da cena atual é exageradamente patética.
O caso é que a pandemia suspendeu o normal. O capital já não circula tão comodamente. O sistema está parado, pelo menos parcialmente. E se bem é verdade que mesmo com essa parada as condições de vida continuam igual o pior para uma enorme parcela da população mundial – e brasileira em particular -, não é menos verdade que o caminho da destruição do planeta está em parte em suspenso. Com o vírus atingindo os humanos e seu sistema de exploração planetária, o planeta está ganhando um pouco de ar. Se isto continuar por algumas semanas até a Bahia de Guanabara vai poder respirar. Mas não só o planeta: nós mesmos podemos respirar outros ares. E eis que a pandemia se torna uma oportunidade para outra vida e para outro mundo, para outras formas de vida no mundo, para respirar um outro ar.
Eis o desafio maior: essas outras formas de vida precisam ser inventadas, pensadas e experimentadas em comum. As instituições educativas poderiam ser um espaço propício e elas estão no meio da pandemia. Nos países em que o capitalismo está mais solidamente inscrito nas instituições, o sistema não pára e a vida educacional continua on-line em todas suas formas: aulas, bancas, formaturas, reuniões, comunidades de investigação filosófica. Nada pode parar. É preciso seguir o normal. As condições pioraram para os que nelas trabalham. As pessoas têm até menos tempo livre que o habitual. Já entre nós, que trabalhamos na educação pública, diferentemente, o vírus tem nos entregado a oportunidade de um tempo para pensar na vida que estamos vivendo em nome da educação, dentro e fora dessas instituições. Em que pese a idiotice e irresponsabilidade antiéticas do presidente, estamos em casa, como suspendidos no tempo. Estávamos habituados a “não ter tempo”, ao ter tanto para fazer “em pouco tempo”, em ter que correr daqui para lá, em “perder horas” no trânsito, em ocupar o tempo em exigências administrativas e burocráticas e, de repente, temos tempo para ordenar a casa, assistir filmes, dedicar atenção ao esquecido e, sobretudo, tempo para pensar na vida que queremos viver depois que a pandemia passar. É verdade, ainda não podemos pensar com o cuidado e a atenção requeridas; estamos desabituados, sentimo-nos engatinhando... não desistimos... encontramo-nos de outras formas... seguimos tentando... entre todes conseguiremos... aproveitar a oportunidade que o vírus com seu efeito de suspensão nos oferece... uma oportunidade impensada, única, ímpar... vamos continuar tentando?
walter kohan, 29/03/2020
de segunda a sexta, às 16h, há emissões em direto com o João Pedro no estúdio e todos os miúdos do mundo que quiserem participar via telefone ou Skype ou WhatsApp, etc.
queres participar?
escreve para geral@radiomiudos.pt ou envia sms para o 965 191 518
durante a semana passada partilhei algumas perguntas com investigadores, pensadores e filósofos sobre os tempos pandémicos que vivemos. algumas dessas perguntas referiam-se especificamente à filosofia para crianças.
Walter Omar Kohan, Tomás Magalhães Carneiro, Jose Barrientos Rastrojo e Gabriela Castro partilharam as suas respostas através de um google form: em tempos de distanciamento físico, são os inúmeros recursos digitais que nos aproximam.
"A pergunta é se a filosofia devia servir como consolo. Se o consolo é efectivo, poderia ocultar a crise e fazer com que voltemos para a vida anterior; mas não seria bom não consolar, deixar que a crise continue aberta e nos leve para o questionamento de partes do sistema. Provavelmente, algumas filosofias podem servir para consolar, mas repito: isso seria bom em todos os casos?" - eis a interrogação que nos deixa Barrientos Rastrojo.
Por sua vez, Gabriela Castro não hesita: "A resposta é indubitavelmente SIM. Porque o ser humano é holisticamente pensante e pensador e o pensar sempre ajudou a humanidade a colocar a realidade em perspectiva e a propor soluções reais." E acrescenta, com algum humor qual seria a resposta de alguém que não estuda filosofia: "se a filosofia não serve para mais nada talvez sirva para pensar a pandemia".
"De momento não trabalho com crianças, mas criámos um projecto com presos (Boecio epistolar) que poderia ser trabalhado com crianças. Eles podem escrever cartas para serem enviadas para crianças de México (onde vai o começar a crise) com os seus conselhos para superar a situação." (Jose Barrientos Rastrojo)
Gabriela Castro pede cautela nestas sugestões: "porque fazer isso sozinhas será desvirtuar a própria FpC. Vamos a ter calma e a sabermos o que estamos a fazer sob pena de ser maior o estrago do que o proveito."
Walter Kohan remete para o livro Alice no País das Maravilhas como provocação para o pensar, em família.
Por último, Tomás Magalhães Carneiro defende que:
"Temos aqui uma boa oportunidade de espalhar um pouco mais o "vírus da filosofia". Acho que os exercícios e temas que costumamos utilizar nas nossas aulas [de filosofia para/com crianças] são adequados. Apenas ressalvo a importância de os adequarmos aos pais e às famílias dando-lhes directrizes de como os aplicar, como deverão dar espaço às crianças para pensarem em vez de encher esse espaço com as suas próprias ideias. O nosso papel, agora que estamos longe dos nossos alunos, deverá ser o de orientar os pais a serem também eles moderadores socráticos. São eles que estão "forçados" a estar com os seus filhos mais tempo do que é costume e muitos quererão aproveitar esses momentos para aprofundar ideias e conversas. a Filosofia aí pode ajudar, ou não fosse isso que andamos a fazer há mais de 2000 anos, a conversar uns com os outros."
O Tomás está a ler e recomenda "How to be a Stoic: Ancient Wisdom for Modern Times" do Massimo Pigliucci. A Gabriela lê Paul Ricoeur para preparar as suas aulas que acontecem via zoom.
Jose Barientos Rastrojo recomenda os textos de Séneca e de Marco Aurélio, advertindo que nem sempre têm um efeito tranquilizante. O professor da Universidade de Sevilha encontra-se a ler Han (O aroma do tempo), Grimes (Philosophical Midwifery) e Carlson (O sentido do asombro), livros que ajudam a aprofundar sobre a realidade profunda.
Walter Kohan recomenda o clássico Alice no País das Maravilhas.
*
No blog Joana Rita ponto EU podem ler o artigo "Is living a pandemic quite different from thinking about the pandemic?", com o contributo de outros pensadores e investigadores. Boas leituras!
o projecto ouVER-te crescer nasceu há uns anos, quando a Susana e o João, pais do Tiago, um menino surdo, decidiram aprender língua gestual portuguesa para comunicar com o filho.
conheci a Susana e o João nos cursos de LGP que fiz. depois, acabei por dar aulas numa AEC de filosofia na escola da Sarah, a irmã do Tiago. fui acompanhando este projecto que, agora, por motivos de isolamento social e distanciamento físico, conquistou o foco e o tempo da família.
há um canal de youtube e uma página de facebook, que podem acompanhar para aprender língua gestual portuguesa.
mãos à obra?
através de um google form e das plataformas do ICPIC e da Sophia Network, pedi respostas a perguntas que me "assaltam" a propósito deste período pandémico, que envolve distanciamento físico e muitas restrições na nossa vida.
estou neste momento a ler as respostas que me chegaram e a criar artigos para este blog e também para o blog da minha outra casa digital, o Joana Rita ponto EU.
Neste episódio a Professora Doutora em Filosofia Ilze Zirblel e a também Professora Doutora em Filosofia Janyne Sattler conversam sobre as Pitagóricas, sobre a dificuldade em encontrarmos obras de referência sobre essas filósofas, sobre sua atuação e importância dentro da Escola Pitagórica, além de refletir sobre processo de silenciamento que sofreram, não só as Pitagóricas como todas as mulheres que se aventuraram pelos caminhos do pensamento. Música de abertura: Sinnerman, Nina Simone.
para ouvir, AQUI!
De pronto, nos hemos descubierto frágiles. “La historia de la humanidad puede entenderse como una especie de carrera contra lo que no podemos controlar. A estas alturas hemos conseguido un enorme poder científico y tecnológico sobre la realidad, aunque eso tiene un efecto perverso: cuando creíamos que lo podíamos todo, la naturaleza nos pone en nuestro sitio”, comenta el filósofo y expresidente del Senado Manuel Cruz. “El globo se ha pinchado. Es hora de redimensionarnos y extraer lecciones”, plantea.
Esa lección, augura Cruz, dependerá mucho de cuál sea el desenlace de la crisis. “Si la ciencia descubre una vacuna, posiblemente nos reforcemos aún más en esa fantasía de invulnerabilidad que hemos ido creando. Si por el contrario en EE UU empieza a morir mucha gente, por ejemplo, la lectura podría ser que el capitalismo es un infierno”. Alba Rico coincide: “En plena apoteosis de lo virtual, hemos recordado que tenemos cuerpo. Supongo que de estos cuerpos encerrados y amenazados que somos ahora podría surgir una reflexión sobre nuestras relaciones sociales, económicas y políticas. Pero todavía es difícil predecir cuál va a ser la reacción, es pronto”. Cortina advierte: “No sé si conseguiremos aprender algo de todo esto. ¿Acaso aprendimos algo de la crisis de 2007?”.
para ler na íntegra, no EL PAÍS
[contexto covid19pt] no meio de TANTAS sugestões para nos ocuparmos enquanto estamos em casa, é importante salvaguardar tempo para nos aborrecermos. para não saber o que fazer, para inventar no momento o que vamos fazer. dormir uma sesta pode ser altamente revigorante - e quantos de nós têm saudades da sesta?
são tempos novos, estamos a viver uma pandemia pela primeira vez na nossa vida: é natural este sentimento de confusão e de desnorte.
aproveitemos para reflectir, para sentir, para parar. e para fazer coisas que, noutro contexto, não teriam qualquer sentido.
A Tatiana Marques, mãe e educadora, escreveu este conjunto de sugestões para quem está em quarentena, devido à epidemia #covid19. Também será um guia útil para quem está em isolamento voluntário e pretende cumprir o dever cívico de recolhimento domicilário.
Conheci a Tatiana no twitter e foi na #uppa_animais que nos conhecemos in real life. O texto é da sua autoria e é aqui publicado por considerarmos que poderá ser útil para as famílias que estão em quarentena e/ou em isolamento voluntário. Quem se encontra nesta última situação poderá sempre sair e passear em locais arejados, como um parque, tendo os devidos cuidados de higiene durante e depois da saída à rua.
Advertência: Toda esta situação é anómala, desconhecida e nova para todos, ser muito flexível e adequar-se às várias alterações diárias e tentar manter a serenidade, principalmente com os mais novos.
As crianças gostam muito de estar envolvidas e de se sentirem responsabilizadas.
Não esquecer de dar autonomia aos mais novos, eles adoram partir ovos e podem também trabalhar a matemática na quantidade necessária dos ingredientes. Ensinar os jovens a cozinhar poderá ser bem útil no seu futuro.
Ainda vamos ter famílias completas no TikTok e a concorrerem ao novo concurso “Família que sabe dançar, yo!” (TVI, podemos falar depois).
Muito importante – manter a calma, principalmente à frente das crianças/jovens, responder a todas as questões (o desconhecido poderá criar mais ansiedade e confusão) e evitar estar constantemente a ver as notícias.
Mantenham-se isolados, lavem as mãos e sejam muuuuuuuito tolerantes!...
( * ) a mãe da S., uma menina do JI onde faço oficinas de filosofia, partilhou este vídeo comigo para ajudar a explicar como é importante lavar as mãos:
(**) uma explicação, com gatinhos, do que significa o esforço de isolamento voluntário e distanciamento social:
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