[texto originalmente publicado no site Mulheres à Obra, 5 Setembro 2018]
Desde 2008 que trabalho na área da filosofia para crianças (FpC). Fiz formação – ainda faço – trabalho em jardins de infâncias, em escolas. Tive um projecto num ginásio. Levo as oficinas de filosofia a vários pontos do país – e não só. Dou formação a professores e educadores. Tenho recebido muitos e-mails a solicitar apoio, esclarecimento de dúvidas – sobretudo a quem desenvolve investigação nesta área.
Nem sempre é fácil explicar o que faço, pois há muitas ideias pré-concebidas e tudo o que é estranho provoca… estranheza.
Tenho coleccionado muitas perguntas sobre o meu trabalho e sobre a filosofia para crianças. Fiz uma lista das dez mais recorrentes – e partilho convosco algumas respostas curtas.
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- «Joana, dás aulas de filosofia? »
Não. No sentido convencional e tradicional do termo « aula » = alguém que tem o saber (conteúdos) e os transmite a quem não sabe. Nesse sentido, não dou aulas – ainda que possa falar do espaço e tempo durante o qual a filosofia acontece como aula.
- “Então tu és professora?”
Não – no sentido clássico do termo, não sou professora.
Sou facilitadora – ou dificultadora como gosto de lhe chamar. O meu papel é o de “obrigar” a parar para pensar, a aprofundar. Mergulhar no mundo dos pensamentos.
- “O que tu fazes é pôr as crianças a conversar umas com as outras?”
Não, isso elas já fazem. O meu objectivo é que haja diálogo. Isso implica que se pratique a escuta e o parar para pensar. Além disso, pretendo aprofundar as questões de forma filosófica.
- “Nessas aulas podemos dizer o que quisermos?”
Sim e não. Podes dizer o que quiseres, mas isso tem que ser submetido ao grupo para avaliar se é pertinente para a discussão em curso.
Além disso, também avaliamos a sua qualidade filosófica – e é aí que eu intervenho mais e dificulto as coisas.
- “Isso que fazes é um modelo pedagógico?”
Na verdade, a FpC é uma estrutura que facilita processos de aprendizagem. E é algo mais do que isso. Crio um espaço e um tempo em que é fundamental realizar exercícios de cariz filosófico. Sim, a filosofia para crianças transpira intencionalidade filosófica.
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- “Então basta preparar e ter um plano ou uma planificação, para chegar ao objectivo filosófico?”
Não. A preparação, em jeito de planificação é útil. O mais importante é atender àquilo que as pessoas estão a dizer e captar as suas implicações filosóficas e a riqueza para o diálogo. É fundamental a disponibilidade para o improviso.
- “Basicamente o que fazes é treinar pensamento crítico?”
Também. O pensamento crítico é fundamental neste processo. Há outras dimensões: a criatividade, o caring thinking (Lipman) e a dimensão colaborativa (afinal, somos um grupo que se junta para pensar… em conjunto!).
- “Não achas que isso é muito difícil para as crianças? É muito abstracto.”
As crianças têm uma linguagem própria e uma experiência que é sua. A FpC abre espaço para que se possam manifestar, à medida da sua linguagem e da sua experiência. A partir daí, extraímos o sumo filosófico.
- “Então e tu jogas às cartas com as crianças, é isso?”
Faço jogos, sim. Utilizo muitos recursos que facilmente se associam ao jogo (quantos-queres, jogos de cartas, jogo do galo…). A ideia é partir de um recurso simples e lúdico para o trabalho filosófico. O jogo – tendo elementos físicos, nos quais as crianças podem mexer e até levar para casa – ajuda-me a tornar a filosofia palpável.
- “E as crianças gostam?”
Nem todas. É como a sopa: nem todas gostam, mas nem por isso deixamos de lhes dar sopa. É importante para elas, certo?
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Assim é a filosofia: difícil, pois obriga a parar. Divertida, por nos permitir brincar com o pensar. Gosto da imagem da FpC como um ginásio para os músculos do pensamento. E todos nós sabemos como treinar provoca dores, num momento inicial. Depois há que manter a disciplina de treino.