em que eles chegam tão agitados que nem sequer reparam que eu já estou na sala, com a mochila pronta para começar os trabalhos. e falam uns com os outros. trocam de lugares e depois acusam-se uns aos outros de trocar de lugar sem pedir. e depois pedem e dizem "não é justo, a N. trocou". e eu tenho que dizer, "mas a N. não pediu e ainda não decidimos se podemos trocar ou não de lugar".
e o certo é que ninguém ouve.
levanto a voz. movimento-me pela sala. às vezes tenho que gritar - juro que só descobri que conseguia gritar quando fui dar aulas em regime de AEC. há grupos com os quais só isto resulta para chamar a atenção. mas eu prefiro silenciar-me e comunicar, de forma não verbal, que estou à espera que se acalmem para podermos começar os trabalhos.
continua a agitação. pedidos para ir ao wc - sim, eles chegam à minha aula após o intervalo de 30 minutos e só quando entram na sala é que a bexiga se enche - deve ser uma coisa que o pavlov poderá explicar, o que acham?
lá começamos a trabalhar, recuperar o que foi feito na aula anterior para decidirmos o que vamos fazer. sim: autonomia e liberdade, em sala de aula. disse-lhes o que tinha pensado fazer com eles e coloquei a decisão ao grupo. inevitavelmente, ao retomarmos as pontas soltas da semana passada, demos início ao diálogo - às vezes não é preciso um estímulo (imagem, livro, jogo), basta o diálogo para que o... diálogo flua!
a agitação foi uma constante na sala. o L. estava até irritado com os amigos. o M. tinha o braço no ar e já estava cansado de esperar que os colegas fizessem o silêncio necessário para podermos ouvir-nos.
no final, conseguimos recolher algumas ideias interessantes. pelo meio tive que pedir à D. para que respeitasse o trabalho dos colegas, que estavam interessados na aula. a D. não estava nos seus dias, claramente. é habitual ser das alunas mais participativas e hoje amuou do princípio ao fim - acho que tudo começou a partir do momento em que lhe pedi que arrumasse o tablet na mochila.
no final espreguiçamos. ficou o anúncio de que para a semana haverá um momento escrito para dar o pontapé de saída da aula.
foi uma aula difícil, barulhenta, complicada de gerir.
o Tomás comentou o seguinte, numa partilha DESTE post, no facebook:
"Sim, Joana, as minhas aulas melhoraram imenso desde que os meus alunos começaram a usar o "Caderno da Filosofia" de forma livre e não apenas para registar ideias e palavras (apesar de muitos o usarem para isso mesmo, coleccionando perguntas atrás de perguntas, outros desenham, pintam, recortam, etc.
A maioria, quando questionados, sabem exactamente onde estão no diálogo, o que foi dito e por quem. Quando isso não acontece (a alguns alunos acontece perderem-se nos seus desenhos e ficam alheados do diálogo) são convidados a, na próxima aula, fecharem o caderno e ver se "corre melhor".
A actividade física que referes é também um óptimo escape para alunos "mais activos" que, quando não o têm incomodam muito a aula a balançar nas cadeiras, a brincar com os lápis e etc. Quando têm uma actividade como o "desenhar as ideias que vão surgindo" acabam por se concentrar mais na tarefa do diálogo.
Muitos professores ainda resistem a deixar os seus alunos "rabiscar" nas suas aulas pois pensam que é sempre sinal de desatenção quando muitas vezes parece-me, pelo contrário, sinal de atenção.
Gostava de conhecer algum estudo empírico sobre este fenómeno. Conheces? abraço"
- relativamente a esta última pergunta, eu respondi que não, não conheço nenhum estudo sobre isto. e por isso pergunto aqui, se há alguém desse lado do écran que nos possa indicar algum estudo neste sentido.
no final da aula, um dos alunos veio pedir se podia levar um TPP (trabalho para pensar). houve outros dois que se quiseram juntar a este pedido. - hummm ora deixa cá ver que TPP é que vocês podem fazer... e eis que a L. disse: - já sei! vamos fazer um texto sobre o Aristoteles!
(para a semana abandonamos o hospital das bonecas 📖 e começamos a ler a metafísica!)
(diálogo com uma aluno do 4º ano, no final da aula de filosofia)
- ó professora joana, há alguma escola própria para a filosofia?
- como assim, J.? eu achava que esta onde estamos é uma escola própria para a filosofia...
- não é isso. uma escola onde só se vai lá para estudar filosofia!
- há sim. há faculdades onde podes ir estudar só a filosofia. eu andei numa.
- e nessa escola também fazem as coisas assim? se tiveres um teste, quem é que corrige? há respostas certas e erradas?
- bom, é um pouco diferente. no trabalho que nós estamos a fazer aqui eu não corrijo as vossas perguntas. decidimos todos. eu estou com atenção a ver a maneira como vocês pensam e dialogam uns com os outros.
- ahhh! é por isso que demoramos tanto tempo nas perguntas?
o Tomás Magalhães Carneiro foi das primeiras pessoas com quem me cruzei nestas lides da filosofia para crianças/filosofia aplicada. tem feito um trabalho extraordinário, que vou acompanhando através do seu blog e das redes sociais.
é comum eu enviar-lhe e-mails com dúvidas, com partilhas e com avisos: "Tomás, vou roubar-te esta ideia".
assim aconteceu com os diários da filosofia (ou cadernos da filosofia), cujo recurso conheci no IV sentir pensamentos | pensar sentidos, que organizei com a Celeste Machado na universidade do minho, em 2014,
desde então, os meus alunos têm que ter um caderno, só para a filosofia. e há duas regras para o utilizar: a primeira, é escrever a data do dia das aulas. a segunda passa por "fazeres o que quiseres". como assim?, perguntam os meninos.
sim, podes fazer o que TU quiseres no teu caderno. desenhar, copiar o que se faz no quadro, copiar só uma parte ou registar a aula à tua maneira. - é esta a minha resposta. "então e posso não fazer nada?". sim, respondo, podes não fazer nada no caderno. tu és responsável por esse espaço que tens, podes mesmo fazer o que quiseres.
há uma estranheza perante tamanha liberdade. e um gosto, um prazer em escolher o que vão deixar registado no caderno.
além disso, o caderno cria rotinas no início e no fim da aula (alguém distribui, alguém recolhe). e torna, de certa forma "física" uma actividade que é abstracta e acontece no mundo dos pensamentos.
perante a regra de autogestão das idas ao wc, durante a aula, confrontámo-nos com um problema: a liberdade experimentada pelo grupo resulta numa confusão tremenda e até há meninos que se chateiam. como são livres para ir, sem pedir antecipadamente, querem ir todos ao mesmo tempo.
e a aula que estava planeada ficou dentro da mochila. é assim, a filosofia a acontecer.
avançam para o quadro, para apresentar o trabalho: a M. e a D. - têm sugestões para resolver o "problema" com o qual ficámos em mãos numa das últimas aulas de dezembro.
partilham as suas ideias com o grupo, que escuta e se posiciona perante as ideias de cada uma das colegas. no meio do diálogo registo a utilização de "concordo", "não concordo", "podes ajudar-me a dizer porquê", "não sei se estou certa, mas o que acho é" - são pequenos sinais de que a comunidade de investigação está a acontecer e as regras do diálogo estão a tornar-se naturais.
no final da aula havia pequenos grupos a dialogar entre si, sobre as várias ideias apresentadas pelos colegas. a comunidade é um processo dinâmico e é muito bom ficar na última fila a ver isso a acontecer.
"ó joana, não te sentas na mesa da professora, ali à frente?"
o desafio foi o de pensar a partir do livro A Contradição Humana, de Afonso Cruz. ouvimos o texto, vimos as ilustrações. e depois? depois fizemos perguntas.
e no momento a seguir, tivemos que escolher perguntas para trabalhar. e justificar a escolha.
nesse caminho, descobrimos que as perguntas importantes para alguns dos meninos justificavam-se com "é uma pergunta muito interessante", "quero saber o que os meus colegas pensam sobre isto" ou "eu quero mesmo saber por que é que aquilo acontece".
e ainda: "e para mim é a melhor pergunta que eu já vi"