...a J. coloca o dedo no ar e diz: "eu tenho uma coisa a dizer sobre isso". e o "isso" era a pergunta do F. sobre um tema que foi levado a debate na aula há três semanas.
"joana, ainda temos muitas questões para resolver de outras aulas"
é verdade, respondi. ainda bem que vocês podem ir registando no diário da filosofia as questões que ficam por resolver, por investigar.
começamos a experimentar critérios, exemplos, a avaliar se aquilo que dizemos faz sentido ou não. voltamos atrás, mudamos de ideias.
este grupo começa a viver a comunidade de investigação de uma forma muito forte: ajudam-se muito uns aos outros e respeitam a vez de falar, o tempo, as ideias dos outros. o entusiasmo pelas aulas é enorme.
na última aula, havia muitos meninos a querer participar. fui escrevendo os nomes no quadro para não perder a noção de quem queria falar. às tantas a J., que era a última desta "lista de inscritos", levantou-se e veio ter comigo.
"quero dizer uma coisa, joana"
e o que queres dizer é só para mim ou para o grupo todo?
"é para o grupo todo, mas digo-te já para não ficar tanto tempo à espera"
em grupo investigámos o que era uma pergunta. descobrimos que nem todas têm um ponto de interrogação no fim. que às vezes dizemos coisas, e não estamos mesmo a perguntar. que quem pergunta quer saber alguma coisa.
um muito obrigada aos pequenos-grandes-filósofos pela presença no espaço Cócegas nos Pés.
prometemos voltar em breve... já no dia 22 de fevereiro. mais informações AQUI.
(a dado momento, durante a aula de filosofia - 1º ciclo) - então, quem concorda com a ideia da R. coloca o dedo no ar se faz favor. a R. coloca o dedo de ar, de imediato. eu olhei para ela e devo ter franzido o sobrolho e largado um sorriso. a R. continuou de dedo no ar e disse: - ó joana, eu concordo comigo própria!
"estou há cinco aulas a tentar responder a esta pergunta", dizia-me uma pequena-grande-filósofa do alto dos seus 7 anos.
mal sabe ela que esta pergunta incomoda e inquieta muita gente há uns dois mil e muitos anos... :)
a investigação desta aula aconteceu em torno da filosofia em si mesma, algo que os meninos ainda estão a descobrir. como? pela experiência. de aula para aula, os grupos têm vindo a revelar que sentem aquilo que é diferente nas aulas de filosofia, face às outras aulas que têm.
"esta aula é só perguntas, perguntas e mais perguntas", dizia-me a I., há dias.
a pouco e pouco, os meninos vão sentindo segurança e percebendo que nestas aulas se vive um espaço de liberdade e de autonomia, onde podemos dizer o que pensamos, concordar, discordar - e nem por isso deixamos de ser amigos uns dos outros - apresentar ideias diferentes, imaginar "como seria se"... e se há quem sinta desconforto perante isto, outros usufruem deste processo até ao tutano. e querem mais.
"eu detesto as aulas de filosofia", dizia-me o P. olha, P., eu às vezes também não gosto muito. mas a vida tem coisas das quais gostamos mais, outras das quais não gostamos tanto. não é meu intuito que os meninos saiam da aula apaixonados pela filosofia (como eu estou, confesso!); é meu intuito que os meninos saiam das aulas com a curiosidade (ainda mais) aguçada e com vontade de olhar à sua volta e fazer perguntas, revelando assim o que "os incomoda", o que lhes agrada, o que não gostam, o que querem fazer. revelando a sua visão do mundo - que é única. somos todos diferentes, sabiam?
"nas tuas aulas podemos escolher coisas. e às vezes acontecem coisas aqui, diferentes das outras aulas, porque tu deixas-nos ser diferentes. somos todos diferentes! e tu és uma professora diferente!"
há ainda muitos preconceitos em relação à filosofia para crianças. começa pela questão dos "conteúdos" das aulas. e depois as "avaliações" - tema muito polémico no que às AEC' (actividades de enriquecimento curricular) diz respeito.
em conversa com uma amiga e colega que trabalha na área, falamos do desempenhos dos "bons e maus alunos" nas aulas de filosofia: "normalmente, os alunos estão habituados a estudar (alguns literalmente a "marrar"), alguns são diariamente acompanhados pelos pais, com vista a obterem sucesso. quando se trata de filosofia, o que acontece é que eles não têm, de facto, matéria para estudar e isso é muito complicado para os ditos bons alunos, para os pais e, inclusivamente para os professores titulares. estes alunos aprendem a reproduzir e, como diria o Oscar Brenifier, a responder como os professores querem que eles respondam... não estão habituados a questionar, a interrogar-se e a explorar outras possibilidades."
isto de estar no terreno, a colocar a filosofia em prática, vai muito para lá das quatro paredes da sala de aula. é ser consequente na prática do diálogo, no questionar, defendendo as metodologias e esclarecendo quem as estranha - na esperança de que as possa entranhar.
em grupo, dialogamos sobre o relatório do 1º período, que fui chamada a fazer, por turma. depois, os meninos "inscreveram-se" para podermos falar da avaliação individual.
houve quem estivesse aborrecido por "só" ter bom ou "só satisfaz". falamos dos critérios de avaliação e das coisas que eles podiam melhorar - em grupo e individualmente.
quando falamos de pensamento cuidativo (que é a minha tradução livre para caring thinking, de Lipman) perguntei se alguém tinha uma ideia do que seria. e, para meu espanto, o C. levanta o braço e diz:
"por exemplo, houve uma aula em que tínhamos que dar perguntas para o quadro e a B. não dava perguntas. tu até perguntaste se ela tinha e o M. acabou por dar uma pergunta dele à B.."
eu conto esta história algures por AQUI e confesso que não tinha noção do alcance que este momento teve, para o grupo. inocentemente, pensava que só eu, o M. e a B. [nota, na talk os nomes das crianças foram alterados] teríamos guardado este momento. afinal, o C. também se apercebeu e sentiu esse momento como o acontecer deste cuidado do pensar.
é verdade, hoje "fugimos" da nossa sala de aula e fomos até um dos meus cantinhos preferidos da escola, onde há só chão e um quadro de ardósia. nem mesas, nem cadeiras. pedimos emprestada a manta aos amigos do 1º ano e ali estivemos, a pensar em conjunto. a tomar notas no diário da filosofia. a escolher uma resposta, a procurar os "porquês".
sentada no chão, literalmente ao mesmo nível que os meninos - é assim que se quer, na filosofia para crianças. mas nem sempre é possível e não vamos, por isso, deixar de aplicar o rigor e a exigência da prática.
a exigência é coisa que os meninos sentem, durante as aulas, durante os diálogos. e também sentiram nas avaliações do final do 1º período. o M. até estava aborrecido comigo, pois tinha tido Bom quando achava que merecia um Muito Bom: "oh joana eu gosto tanto destas aulas". eu sei que sim e por isso lhe apontei aspectos que ele tinha que melhorar, de acordo com os critérios da disciplina.
o J. confessou-me, quase ao ouvido:
- acho que a professora joana é um bocadinho exigente. - ah sim? e isso é bom ou mau? - depende. mas aqui [avaliações das aulas de filosofia] acho que é bom.
quem tem exemplos de "fantasia"? e quem sabe justificar esse exemplo?
o TPP da passada semana consistia em indicar 3 exemplos de fantasia e 3 exemplos de verdade. começamos pela fantasia, com o exemplo "monster high". motivo? são monstros e os monstros não existem, disse a Y. mas havia na sala quem não concordasse: "eu já vi um monstro".
o V. e a Y. foram desafiados para uma "battle filosófica" na qual tinham que encontrar uma razão forte para convencer o outro da sua posição. o critério encontrado era ver - quem nunca viu um monstro acha que é uma fantasia; quem já viu, acha que é a verdade.
durante o diálogo surgiu um outro conceito: o de mentira. e outro critério: acreditar ou não acreditar.
não percam as cenas dos próximos episódios, durante os quais iremos tentar encontrar opostos entre fantasia / verdade / mentira e continuar a procurar critérios para perceber se os monstros e os unicórnios existem.
o R. foi recentemente transferido para a nossa escola. "vamos ajudar o R. a perceber o que acontece nas aulas de filosofia?"
o desafio foi aceite e o resultado está à vista. o R., que nunca teve filosofia, disse-nos que ficou a perceber um bocadinho do que se passa nestas aulas.
neste dia, estivemos a trabalhar exemplos de "é uma pessoa" e "não é uma pessoa". não é fácil, mas conseguimos estabelecer um critério e dar vários exemplos.
às páginas tantas:
"- I., tens o dedo no ar. queres ajudar a M. a explicar melhor?
- sim, eu posso ajudar, joana. primeiro vou fazer uma pergunta, digo o que é o critério, o que é o exemplo. e depois ajudo, pode ser?